Epílogo

 

Epílogo



A poeira começava a baixar enquanto ele caminhava com dificuldade por entre os escombros. Vez por outra, tateava o próprio corpo a procura de algum dano que porventura não estivesse evidente. Na verdade, não lhe era fácil crer que, afora alguns poucos arranhões e uma torção no punho esquerdo, nada de mais grave lhe acontecera.

Após os sons estarrecedores de pouco antes, agora somente era possível ouvir o vento que espalhava o pó e a fuligem por todos os lados. Já não havia mais estrondos, já não se escutavam gritos e o terror, enfim, se calara depois de seu sombrio estardalhaço.

Por mais que ele olhasse em volta, não conseguia divisar nenhum sinal de mais alguém que tivesse, como ele, sobrevivido à catástrofe. E, solitário, vagou a esmo tentando entender o que acontecera, porém sua mente já dava sinais de que era o momento de esboçar alguma reação porque, se o que se passou era um enigma, o que estivesse por vir parecia ser tão insondável quanto.

Cansado e sedento, acomodou-se à sombra do que restara de um muro que, inexplicavelmente, continuava de pé. Cogitou que a própria morte era uma hipótese bem mais do que plausível diante daquelas circunstâncias. Por instantes, riu-se de sua sorte porque não haveria ninguém para lamentar sua perda. Aliás, foi invadido por uma estranha sensação de abandono, porque ele mesmo não conseguia lamentar a perda de ninguém, apesar de tudo.

Foi então que notou que sua vida, havia muito, sucumbira bem antes de tudo aquilo. Sem alarde e sorrateiramente o destino já havia posto seus sonhos em ruínas fazia muito tempo e a solidão já era sua companheira de longa data. Parecia que aquela tragédia só serviu para chamar-lhe a atenção para o que ele ainda não notara, até então.

Não! Naquele momento ele não vislumbrou o fim. O fim já acontecera bem antes e agora o mundo só espelhava aquela desilusão infinita que já se consolidara como senhora de seus dias. Agora, ele vivia num tempo onde a eternidade era feita de esperar que a invasão do nada se consumasse de vez.

Por fim, rendeu-se à fadiga e ali mesmo deixou-se adormecer pressentindo que quando viesse a acordar sua presença não faria nenhuma diferença.

Horas depois, despertou sobressaltado porque uma chuva fina lhe ensopava o corpo. Excitou-se com a situação, porque se o vento soprava, a chuva caía e a terra continuava a girar, o fato de ele estar ali para ter consciência disso tudo lhe dava algum sentido, enfim.

Levantou-se e bradou uma prece aos céus. Ele, que sempre fora cético, concluiu que seria bom se Deus de fato existisse porque, senão, a esperança seria uma piada muito sem graça.

A noite caiu muito rápido e a chuva não cessava. Ele correu a procurar algum lugar onde, enfim, pudesse se abrigar. Ao longe percebeu, numa pilha dentre as ruínas, que uma inusitada fenda se criara ao acaso e dentro dela enfiou-se.

Pensou que ali poderia melhor aguardar até que o amanhecer viesse. Estava todo molhado e tremendo de cima em baixo. Não pode conter um espirro e, em função de ato tão banal, provocou um solavanco que fez com que o buraco onde se enfiara também viesse abaixo. Soterrado e sem poder se mover, morreu soltando uma sonora gargalhada.

Até que enfim ele entendera a piada!

                                               .oOo.