Misturando as estações

Misturando as estações
 
          Ele entrou em casa e, como fazia todos os dias, não teve como evitar que sua atenção ficasse detida nela. Nem chegava a ser um vício; quando muito, talvez um mau hábito.
 
          Assim foi que, entre uma garfada e outra de seu jantar, lá estava ele tomando conhecimento de todas as notícias do dia: o que o governo fizera e o que jamais conseguiria fazer; uma nova onda de sequestros relâmpagos na cidade; a persistente e insidiosa carestia... As novidades, como sempre, pareciam muito velhas e reprisadas. Terminou a refeição e foi tomar um banho.
 
          Ao retornar, as notícias haviam cedido lugar àquela novela que, parecia, nunca iria terminar. Era um tal de mãe renegando filho, filho descobrindo pai, irmão traindo com a cunhada, empregada fugindo com o vizinho, e, por aí em diante. Aquelas mesmas tramas de sempre, cujos personagens se alternam, mas os enredos não.
 
          Entediado, foi até a cozinha pegar um café e, tornando à sala de estar deparou-se com o inevitável festival de consumismo. Ficou a par da liquidação do magazine do momento, em que conjuntinhos de saia e blusa estavam sendo vendidos a sei lá quanto e noventa e nove; as promoções de aniversário do supermercado; as qualidades mirabolantes de um tal sabonete hidratante; o novo “design” do carro do ano e outras coisas do gênero. Como ele não podia comprar quase nada daquilo e, mesmo o que podia, não lhe interessava, tentou tirar um cochilo no sofá.
 
          Qual o quê! Em poucos instantes, mal pregara os olhos, um estridente pagode começou a soar no ambiente e com direito a coreografias rebolantes no meio de um  laiá-laiá estupidificado.
 
          Lamentou-se por um instante. Relembrou o tempo em que, ao menos, existia algum apelo erótico relevante no meio de tantos sons e imagens que, agora, lhe eram tão insossos. Suspirou fundo e pensou consigo mesmo: “Não aguento mais esta mulher que não calou a boca desde que cheguei. Vou é pro quarto; lá, ao menos, tem televisão!”