Beiçola era um negro retinto, simpático, amigo de todos,
nascido dentro de um circo mambembe; o qual abandonou aos vinte e cinco anos para se dedicar integralmente ao vício da bebida.
Bebia todos os dias de sua vida até cair em alguma calçada próxima à padaria Santa Branca, onde levava a sua vida, e, onde fizera amigos que lhe pagavam -quando desprevenido de grana- os goles que necessitava para que o seu corpo não entrasse em colapso total...
Aos quarenta e cinco anos, fazia pequenos bicos como recolher a lenha da padaria; sumir com pequenos entulhos de algumas reformas irregulares feitas pelos vizinhos, dando-lhe um mínimo de dinheiro para um sanduíche reforçado, e, para suas pingas, que o levava de volta para aquele mundo volátil e inconsciente dos alcoolizados.
Ver uma pessoa entregue totalmente ao vício; praticamente sem vínculos familiares, sem casa, solto pelo mundo como se fosse de outro planeta, isento de ambições e de sonhos, e principalmente, caminhando a passos largos rumo à morte; fazia-me pensar sobre o sentido da vida. Tirando o vício do álcool -que era seu único e grande apego- havia se livrado de todos os outros, fazendo dele -de certa forma- mais livre do que muitos homens respeitáveis e possuidores de uma conta bancária sólida e recheada; não fosse o desastre físico, social, e, provavelmente afetivo, ao qual se entregara.
Impossível -para a maioria das pessoas- entrar numa vida como aquela, mas, vê-la, tomando conta de outro ser que nos é próximo provocam arrepios em nosso ser, sugerem pensamentos e sentimentos inexplicáveis sobre o mundo em que vivemos; sobre a vida e seus mistérios, sobre as escolhas que fazemos e porque as fazemos, mas, sobretudo, sobre as diferenças que existem entre os seres humanos... Diferenças na chegada à vida, durante a vida e na despedida.
Beiçola foi embora aos quarenta e seis anos, encharcado de álcool, deixando em seu lugar o mesmo vazio que ele representara em sua vida...