Eram onze horas da noite quando aquela linda garota que acabara de descer do ônibus, caminhava -distraídamente- rumo à sua casa; pensando no beijo que dera em seu namorado, no desejo enlouquecedor que tomava conta de seu corpo quando sentia aquelas mãos, grandes e poderosas, apertando-a num forte abraço; amolecendo o restinho de resistência que ainda permanecia viva, antes da entrega total que viria, com certeza, nos próximos dias...
Envolvida e se deliciando com os seus próprios pensamentos e desejos, ela não havia se dado conta que alguém a seguia de perto, já se aproximando o suficiente para, com um pequeno esforço, segurar em seu braço caso desejasse. Ela, ouvindo os passos atrás de si sem ter coragem de olhar, aumentou o ritmo dos seus, num movimento que estava acima da capacidade de suas pernas, deixando-a ofegante, cansada, e, totalmente entregue ao medo. Mas, os passos que ecoavam pela rua escura arrepiando a sua espinha, continuavam tão próximos quanto antes, fazendo com que ela se arriscasse numa leve corrida, esperando que aquele barulho tão banal, com o qual ela nunca se importara, não mais se fizesse ouvir, deixando de atormentá-la...
Por um breve momento teve a nítida sensação que os passos haviam sumido e, juntando toda a sua coragem, olhou para trás, deparando-se com a figura de um homem que caminhava, decididamente, em sua direção.
Sentindo que o fôlego lhe faltava e que estava prestes a desmaiar, tomou a decisão de não mais oferecer resistência àquele homem que, certamente, iria violentá-la, tirando-lhe a sua doce e desejável pureza, quem sabe até sua vida. Voltou então a caminhar normalmente, entregando nas mãos de Deus o seu destino.
Sentiu, logo em seguida, que alguém a segurava -fortemente- em seu antebraço direito, fazendo-a parar, imóvel, estarrecida, mas decidida a lutar bravamente pela sua integridade, caso fosse necessário e possível, ou, até mesmo, implorar ao meliante que se lembrasse da mãe que teve, e que talvez ainda tenha, se apiedando dela por um milagre quase impossível de acontecer... Foi quando o homem, delicadamente, estendeu-lhe um belo lenço que, por causa de seus devaneios, ela havia esquecido dentro do ônibus...
Os fantasmas que povoam a nossa cabeça e a nossa vida, na maioria absoluta das vezes, não passam de miragens às quais entregamos um pedaço considerável de energia e tempo, desviando-nos dos propósitos e desejos que, de fato, deveriam possuir um espaço sagrado e inviolável dentro de nós...