O Castelo de Madre-Deus era mais do que pedra e muralhas—ele escutava o tempo, absorvia os ecos dos passos, as sombras do passado, as decisões que moldavam destinos.
E essa noite, ele sentia medo.
Lá dentro, o Rei Marco I permanecia desperto.
A Cúpula. Esse pensamento não saía de sua mente. A reunião em Copérpio deixara um rastro invisível, como um perfume que permanece no ar mesmo após a pessoa ter partido.
A Cúpula observava o mundo. Mas quem observava a Cúpula?
O castelo era vigiado. Mas o castelo também vigiava.
A noite avançava. Marco encostou-se à janela. O vidro refletia sua imagem, mas, ao mesmo tempo, o deixava ver o mundo lá fora. Um sutil paradoxo: estar dentro e fora ao mesmo tempo.
Pensamentos desciam sobre ele como um nevoeiro denso.
"O destino do homem é traçado por sua própria luta... Mas será que temos escolha de fato?"
Não era um pensamento novo. Já o ouvira antes, em antigas escrituras que cruzaram suas mãos.
Mas desta vez, ele parecia mais pesado.
A Máfia Hototo estava se movendo.
Os olhos do rei desviaram para a escrivaninha. Sobre ela, repousava um objeto silencioso, mas nunca inofensivo.
Uma pistola.
Seu aço frio não tremia, não hesitava, não temia.
Apenas esperava.
Porque tudo que permanece em silêncio, um dia será despertado.
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A resistência na fronteira aumentava.
Os alambrados recém-instalados tremiam de medo.
O que antes eram quatro focos dispersos de tensão, agora eram dezoito.
Os grupos de resistência do outro lado não eram soldados disciplinados. Eram homens esfomeados, feridos, esquecidos.
Cães de uma guerra que nem sabiam mais se era deles.
Mas havia algo errado.
Na noite anterior, tiros foram ouvidos ao longe.
Mas ninguém encontrou os corpos.
Os homens caíam, mas a terra não os segurava.
Eles desapareciam com a madrugada.
E então vieram os corvos.
Os corvos guardam histórias.
Eles são os únicos que veem os corpos antes de sumirem.
Eles são os únicos que sabem para onde vão aqueles que caem.
Olham de cima e mergulham em queda livre, mas não se atrevem a tanto. Logo freiam a queda…
De cima, eles olham e devoram esses alambrados, esses soldadinhos, esses comerciantes empoeirados…
Luísa olhou para o céu.
Não havia corvos naquela manhã.
E isso a assustou mais do que qualquer corpo caído no chão.
Ainda bem que não eram drones de combate.
Ela procurou na gaveta do balcão da mercearia.
O cartão que havia ganhado.
Sormani.
Ela precisava de respostas.
O telefone chamou. Uma, duas, três vezes.
Ele atendeu.
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O telefone vibrava no bolso de Sormani enquanto ele atravessava a cidade, voltando da nova Delegacia de Ciência Forense da Polícia de Lumaby.
Ele estava decidido.
Estava pronto para deixar a Força Tática de Fronteira.
Buscaria uma vaga na Polícia Forense de Radaxa.
Ele queria mudança. Refinamento. Algo novo.
Mas essa decisão não era apenas profissional.
Ele também havia decidido entrar de vez em um relacionamento.
Bombom Mystique.
Ela era um furacão.
Um mistério.
Um imprevisto feliz.
E, por um instante, ele se sentiu livre do peso da guerra.
Mas o telefone continuava vibrando.
Luísa.
Sormani hesitou.
Ele estava saindo daquele mundo.
Mas o mundo ainda não havia saído dele.
Ele pegou o celular.
E atendeu.
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Em Gênova, na Itália, Alma Camberra caminhava.
Ela não estava apenas em uma cidade nova.
Ela estava em uma nova versão de si mesma.
Enquanto caminhava, brincava com um lápis amarelo entre os dedos.
Pequeno. Escolar. Insignificante.
Mas um lápis nunca é insignificante.
Um lápis assinou a liberdade dos escravos.
Um lápis escreveu tratados de paz e declarações de guerra.
Um lápis pode ser tão afiado quanto uma lâmina quando a palavra certa é escrita.
E agora, aquele lápis escorregava entre seus dedos.
O que Alma Camberra escreveria?
O que Alma Camberra apagaria?