Quem era?

 

— 22 de setembro de 2024. 9h44 min. Alguém tocou o interfone.Eu estava às voltas com um purê de batatas na cozinha...

— As 9h44 da manhã?

— Não faça essa cara, é que gosto de adiantar tudo mais cedo, afinal não dá para fazer purê com batatas ainda fumegando não é? E depois sou filha de Acenion Machado, está pensando o quê.

—Mas o que isso tem a ver com batatas?

— Com batatas nada. Tem a ver com não atrasar. Meu pai em dia de festa já amanhecia nos apressando para arrumar, ainda que a festa fosse á noite. Ele sabia que quatro filhas dava trabalho para ajeitar os cabelos...

— Eh, tal pai, tal filha. Mas e o interfone? Não tinha sido tocado?

— Ah, tá... Bem, eu larguei em cima da mesa com toalha xadrez de laranja, o pano de prato com aplicações de girassóis  e fui atender.

— E quem era? Tanto alarde em cima desse interfone que estou curiosa.

— Pois não adivinha? Era ela, ninguém mais que ela, a primavera...

— A primavera? Tocando o interfone... Ah, não...

— Ah, sim... E sem atrasar e nem adiantar nadica de nada, lá estava ela, linda, vestida de estampas florais. E com certeza bateu na sua porta também e de todas as pessoas.

— Na minha porta? E de todas as pessoas?

— Claro, uai. A primavera vem para todos. Mas alguns poucos percebem sua chegada.

— Os poetas, por exemplo...

— Sim, os poetas.  Sabe, a primavera me sorriu com aquele riso que extravasava versos. E quando me estendeu a mão, rimas em forma de pétalas foram caindo de seus dedos. Quase enlouqueci.

— Imagino...

— Num ímpeto, segurei sua mala pesada de poesias, afinal ela ia ficar três meses. Quanta felicidade! Larguei as batatas cozinhando e juntas, eu e a primavera, fomos para meu refúgio. Era preciso versar... Sim era preciso, afinal a primavera merece uma boa acolhida.

 

 


 

IMAGEM: criada por mim no Microsoft Designer

PS.: Ouçam também a narração desse texto