Barco branco.

Publicado por: Aragón Guerrero
Data: 15/03/2018
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Créditos

Da minha autoria- Esta canção demorou para ser feita, ficou na gaveta vários meses, até que um dia resolvi terminar e gravar. Fala da minha infância, do navio que me trouxe ao Brasil aos quase oito anos, e isso me tocava de um jeito especial. Não é uma canção fácil de tocar, tem sustenidos menores em sequência, acho que ousei , fui além do que sabia, mas no dia da gravação a toquei inteira, sem uma única interrupção, talvez pela emoção.

Barco branco

O barco branco se afastava lentamente do cais, deixando um rastro de espuma no caminho, enquanto as aves marinhas rodopiavam no ar como confetes de despedida. Do gradil eu contemplava os lenços brancos que acenavam até sumirem no horizonte, então só céu e mar. O enjôo foi chegando a quase todos, pois eramos apenas "emigrantes" indo para a América, e eu um menino de quase oito anos partindo sem saber porque. A todo voz rompeu o cantor "Juanito" , no auto-falante, com a música "El emigrante " , com uma letra que tocou profundamente a todos a bordo. Ninguém sai do seu país porque quer, cada um carrega uma história, um segredo, um motivo de alto valor , o salto é consequência do impulso.

O barco era muito grande, e bonito também, tinha conforto e entretenimento, e nós tinhamos uma pequena cabine compartilhada, com uma janelinha redonda, onde se via o mar em seus movimentos de sumir e aparecer, contínuo e cansativo, e quando o mar estava furioso não podiamos sair , era preciso ficar se agarrando as barras do corredor, das escadas, e de todas as partes.

Os espanhóis chamam até os transatlânticos de barco, é normal, uma palavra que serve para qualquer embarcação , é mais simples, pois todos conhecem as dimensões , não se necessita especificar, e este foi meu lar por duas semanas. Fiz a canção em outubro de 2010, "Barco branco", com enorme dificuldade, interrompendo a melodia e a letra inúmeras vezes, e só não desisti, porque não sou disso, a minha teimosia é maior, mas levei vários meses até que se fechasse. No dia que a gravei, a toquei bem ao violão elétrico e apenas uma gravação foi suficiente, e não é fácil, pois contém muitos acordes em sustenido seguidos, e requer atenção, mas na hora de colocar a voz, me emocionei algumas vezes , mesmo assim ficou bonita, a sensibilidade passou junto , e o toque é bem ibérico, como queria que fosse.

" Barco branco, barco branco

Tanta pressa em teu singrar

Na tua cor uma esperança , barco branco

No teu rumo um amanhã

Essa nave peregrina

Que no cais deixou um mirar

A montanha sobe as nuvens ,barco branco

Vem a mim o teu cantar

Barco branco, barco branco

O teu cantar, o teu cantar...

O novo mundo te espera,

Talvez um dia, um regressar

Ao chegar da primavera, barco branco

Um outro cais a te abraçar,

Barco branco, barco branco

A te abraçar... "

Essa parte , onde digo ," a montanha sobe as nuvens...", é a visão que se tem quando nos afastamos de "Tenerife", nas ilhas Canárias, e o vulcão "Teyde" é visto enquanto barco se afasta da ilha, e em determinado momento se avista somente a montanha, e não mais a ilha, parecendo que as nuves a carregam , numa miragem muito bonita e quase surreal .

Este barco partira de Cádiz (Espanha) , a minha cidade natal, e na minha infância estivera muitas vezes no cais, sem no entanto saber da página que um dia escreveria, e naquela manhã aberta de outono , minha mãe e os dois filhos, eu o caçula, partia de encontro ao meu pai, que já nos aguardava em Santos.

Eu fui o primeiro a sair do barco quando avistei o meu pai no meio da multidão, descendo aos tropeços por uma estreita escada lateral , entre tantas pernas e pequenas bagagens, a saudade era grande , a minha mãe sempre lera as suas cartas para que acompanhassemos ao máximo, e nos mostrava os postais do Brasil , e estava certa , queria que já tivessemos uma imagem , e assim uma nova história começaria a partir daí.

- As crianças me perguntavam se aqui os macacos andavam pelas ruas, e lhes respondia que não, que haviam prédios muito altos e carros pelas avenidas. Me fez lembrar de quando os gringos perguntaram a Carmen Miranda se as cobras serpenteavam pelo Rio de Janeiro, e ela ( naquele humor maravilhoso), respondeu que sim, e que as mais conhecidas até a comprimentavam quando a viam.

Aqui estudei, me casei , tive três filhos, e um dia voltei com a minha esposa, só eu consegui voltar e caminhar novamente pela cidade, caminhava pelas manhãs , sozinho e saboreando cada segundo, ainda guardava claramente as caminhadas da infância com o meu pai, que sempre costumava agir como guia turistico para os filhos, o que muito me ajudou, ainda hoje existem tantas perguntas sem respostas, mas que importa afinal ? E quando voltei já com pouco mais de cinquenta anos, parei em frente ao cais, e um filme se passou, e posso até jurar que por alguns segundo avistei o barco branco...

Aragón Guerrero
Enviado por Aragón Guerrero em 30/11/2014
Reeditado em 01/12/2014
Código do texto: T5053641
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