NUNCA MAIS (Uma Metáfora Bucólica)

Publicado por: Kllawdessy Pherreira
Data: 28/12/2017
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Créditos

Uma gravação caseira sem edição, com um aparelho celular. Voz, Letra e música de Claudeci Ferreira de Andrade, para ilustrar o conto.

O DIVÓRCIO (Uma Metáfora Bucólica)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Um canário na gaiola, amarelo limão, brilho aproximado ao loiro de um cabelo bem cuidado, não era um bom cantor, mas era lindo como nenhum outro, parecia saudável e feliz, porém existia uma dissonância no cantar; para mim, isso desbotava o objetivo principal. Mantê-lo preso para ornamentar enchia-me os olhos, contudo, faltava-me encher os ouvidos, também, com belas melodias. Por ser assim incompleto, desmotivava minha alma para tratá-lo bem, como se faria com o balançar de um coração agradecido. Era uma vida de pássaro engaiolado, mas não lhe faltava o principal: boa comida e água fresca. Na verdade, querendo ou não, de certa forma, o engaiolado era eu!

Seu debater ali dentro, forçou-me ampliar o espaço à medida da vasta imensidão, abri a porta do viveiro e a deixei ir por lugares estranhos, digo estranhos para ela porque era apenas uma fêmea que nascera em uma gaiola apertadinha: sem quase nenhuma possibilidade de “vida”.

Ela voltou! Parecia-me uma esposa arrependida que descobrira amar demais seu marido, mais experiente, frustrada, um pouco triste e abatida. Acolhi com alegria, como fez o pai com o seu filho pródigo. O espaçoso viveiro ainda estava de porta aberta, esperando-a, e eu ali pronto para fechá-la novamente.

Foi assim da primeira vez. Quando a peguei, ensaiava seus primeiros trinados. Paguei caro, dei o que de melhor tinha: boa reputação, na esperança de obter o reconhecimento dos amigos por ser o dono do melhor cantor da redondeza, era de um bom porte: grande e esguio, prometia muito mais depois da muda. Eu queria me enganar! Pois, a maior evidência era sua delicadeza, era mesmo uma fêmea! E uma fêmea não tem muito valor para o criador que não pretende aumentar seu plantel, pelo menos sem planejamento. Foi um destino, uma força divina que nos casou naquele instante inicial. Tomei-a só para mim, num envolvimento de fé e esperança, ou de sorte, talvez, ou ainda só para gabarolagem de um comerciante que fizera o melhor negócio do mundo, acertando a única chance entre mil possibilidades de errar.

Os dias passaram-se depressa, mas o suficiente para a grande comprovação: um pássaro vinha namorá-la, eu o vi, queriam nidificar. Por que só agora percebi? Ela piava muito, e continuava se debatendo num esforço descomunal, como uma mulher apaixonada que apesar de casada dedica-se ao amante. Quer falar-lhe três vezes ao dia, mas não liga para mim; respondia a dança do acasalamento, mas não para mim. Se fosse uma mulher de verdade, eu a xingaria de adúltera. Todavia, depois de tudo, era apenas um “animalzinho” diante de um homem, seu dono por direitos legais. Ah! Sinto muito! Tentei interromper o curso da natureza. Com ameaças brutais, espantei o seu namorado, e ele sumiu. E a ela, depois disso, ofereci uma gaiola mais estreita, foi difícil para quem uma vez ganhara o mundo como as formigas que voam para a desova. Até parecia aluna de faculdade, alienada. Também, foi difícil para mim, já não me interessava mais o seu porte, o seu canto desbotado de fêmea, uma coisa só me interessava, acima de tudo, queria manter a posse, quem sabe, eliminar de vez da minha mente a sensação de prejuízo e traição. Lembrei-me de uma frase de outro criador e vendedor de sucesso: “prejuízo pouco é lucro”. Então, soltei-a novamente na tarde chuvosa do dia vinte nove de janeiro de dois mil e sete, o céu chorava por mim, pois meus olhos não tinham mais lágrimas, e ela se foi, fiquei olhando seu comportamento, pois o dia inteiro, ficou saltitando de galho em galho no limoeiro solitário do nosso quintal. No outro dia, achei seus restos mortais debaixo daquela árvore. Sucumbiu aos perigos da noite, regida pela lei do mais forte. A ração que sobrou, ainda guardo na geladeira da minha insensatez, os apetrechos do seu aposento agora acomodam a poeira da minha insensibilidade, tudo isso são lembranças que me fazem estraçalhado como a sua última imagem que conservo na memória. Portanto, o vazio que agora sinto torna-se o signo do meu egoísmo corrosivo.

Eu não perdoaria nunca a quem fizesse tal coisa com minha namorada. Qual foi a fortuna daquele pássaro que escorracei, o qual não pôde levá-la consigo?! Perdoe-me ave misteriosa, objeto do destino; quem sabe, anjo salvador! Nem conheço sua procedência e nem sua prole, talvez o acasalamento de vocês fosse minha realização, concretude do meu sonho de ser um rico criador, dono de um grande plantel! Sejam felizes no além, sem precisarem se esconder dos meus olhos carnais. "Amo a liberdade, por isso as coisas que eu amo deixo-as livre. Se voltarem é porque as conquistei. Se não voltarem é porque nunca as tive." (Bob Marley).

O DIVÓRCIO

Um pássaro triste na gaiola,

Mas o engaiolando era eu.

Dediquei-me toda vida,

Dei-lhe água fresca

E boa comida,

Mas lhe faltava o essencial,

Seu namorado era um pardal.

Abri a porta,

Ela voou

E nunca mais, eu ouvi seu clamor!