Todo bobo que se presa deva ter um rei em anexo. Por toda nação, povo ou raça que se despreza ter a difícil tarefa de manter um rei guloseima bem-humorado. Aliás, necessidade esta imprescindível - pelo menos até hoje - para que se possa manter tocada a própria história humana, que tem como ápice (deus) o próprio estômago, barriga ou mais popularmente bucho. Razão é claro de, pela mesma História, haver permanentemente a necessidade de se manter uma coroa, como símbolo de solidez e realidade, encimando a cabeça de um ser que ainda dependa da debilidade de seu ventre.
Para tantos quantos é fundamental também, que se ache "democraticamente", dentre os muitos, esse primata por excelência: aquele que tenha o primor não cá em cima, na cabeça, mas lá em baixo, na barriga. Pois a primeira condição necessária e suficiente para se tiver um primata como rei é considerá-lo ereto, ou seja, manter seu centro de gravidade abaixo do seu umbigo. Concomitante a segunda condição, como consequência da anterior, é manter o centro de massa do proposto primata ereto pendulando abaixo do seu centro de gravidade. Uma vez estabelecido tais fatores em ordem descendentes: umbigo, centro de gravidade e centro de massa, pode-se colocar uma coroa sobre a cabeça do infeliz para poder mantê-lo como rei. Por todo corpo estar sincronizado e estabilizado com a coroa. Todo conjunto firmado em torno de um eixo imaginário, zênite (linha imaginária que corta o centro da terra e o cerebelo de um primata propenso a rei), cujo zênite contém respectiva e ordenadamente de cima para baixo a coroa, o cerebelo, o centro de gravidade, o centro de massa, o reto e o centro da terra. Rigorosamente nesta ordem de descalabro para que haja estabilidade da pessoa com a coroa e, por conseguinte, com o reino.
Destarte, tradicionalmente consciente disso, cada setor da humanidade pôde manter ao longo do tempo (e para o bem da história), um rei. Cuidadosamente reverenciado de contínuo por inúmeras filas de súditos com suas devidas ofertas de manjares. Com o fito de mantê-lo empanturrado e ocupado dentro de suas guloseimas. Girando em torno de si mesmo, para que os "Nabotes das vinhas" (II Reis 1:21) possam tocar em paz suas - e nossas - necessidades.
Difícil mesmo em tudo isso (cada vez mais está) é fazer o rei ereto que tem o poder sobre cada nação, raça ou povo, digerir com bom humor essa servidão a seu deus: o seu ventre. Manter seu centro de massa entre o centro de gravidade e o centro da terra, para que haja a respectiva estabilidade. Como o centro de massa de um primata ereto rei, para se mantiver abaixo do seu centro de gravidade, depende fundamentalmente da gestão ventral (evento que ocorre com a ingestão, situada ligeiramente abaixo do cerebelo e termina com a digestão nas proximidades do reto) é necessário o uso de um artifício para evitar, nesse ínterim, uma possível congestão por consequência de uma irreversível indigestão que, por sua vez, iria desestabilizar toda aquela ordem zenital do corpo sobre o qual vai estar firmada a coroa.
É aí que sabiamente entra o "bobo da corte". Este é aquele que, dentre os muitos e por motivos alheios a sua vontade, não teve o privilégio de nascer como súdito de ofertas de manjares. Por ser uma pessoa estrangeira, sua função precípua, intuitiva e boba é manter o centro de massa do rei (por ser inconstante) pendulando dentro de uma área de estabilidade. Entre o centro de gravidade e o reto, para ser mais preciso. Por esse mesmo centro de massa, em consequências das inúmeras, constantes e prováveis más digestões do dia a dia, tenderem a se deslocar em direção oposta ao grande glúteo; na contramão da vida. Passando, nesse descaminho, pelo ponto crítico da indiferença e entrando na área de alta instabilidade – tendendo a levar os manjares a ser vomitado nas imediações do cerebelo. Debilitando, com isso, o corpo; oscilando, daí, perigosamente a cabeça e quedando fatalmente a coroa, pelo referido primata deixar de ser ereto e, por conseguinte, rei.
Daí o Edito da Corte:
Todo e qualquer súdito, para o bem seu e da sua querida nação, tem o dever de manter o manjar do rei mesmo que para isto lhe falte o próprio pão.
Cumpre aos que não têm essa suficiência natural, dar uma de bobão; que consiste em fazer peraltices (instabilidade involuntário ereto) ante sua majestade, para aliviar sua amarga indigestão.
Conclusão:
Enquanto o deus deste mundo for o próprio ventre
E não soubermos conciliar nossa própria gestão
Teremos que aprender digerir a barriga de um rei
Inda que esteja no trono de outra nação
E nos veja, cada um, com cara de bobão.