Lá pelos Sete Povos num rincão bem escondido
Nasceu um piazito triste de olhar endurecido
Órfão duma guerra bruta num massacre destemido
Charrua já não havia, Guarani último abrigo
O fogo dos invasores queimou aldeia e caminho
Mas o piá pequenito foi salvo por um vizinho
O padre missioneiro homem de fé e verdade
Tomou o gurizito com amor e caridade
Ensinou-lhe catecismo ensinou-lhe humanidade
Mas também deu-lhe as lições de sua própria liberdade
Aprendeu com as mãos hábeis a talhar madeira pura
Fazia flautas que gemiam em lamentos da planura
Entre coxilhas e tambores entre o mato e a capela
Aprendeu a velha arte de erva-mate na gamela
Conheceu os sons divinos do cravo e da taramela
E no canto guarani encontrou sua estrela bela
Era um índio e era um sábio com seu jeito respeitoso
A música lhe falava num dialeto misterioso
No terreiro ao fim da tarde antes da missa das seis
Comia um milho assado proseando com os freguês
No pilão da redución socava os grãos de uma vez
E a erva ia secando num canteiro em sol cortês
Entre um mate e um sussurro se aprendia com os mais velhos
O segredo de ser gente e cultivar os conselhos
No alvorecer da semana ia ser bom artesão
Com couro fazia botas e entrelaçava o cordão
Cada fibra tinha alma cada fio uma oração
Cada nó guardava história do tempo da criação
Nas mãos dele o mundo velho se tornava renascido
Cada arte era um poema em couro, barro ou tecido
Quando o sino repicava já sabia o que fazer
Cada um tinha seu posto cada qual seu bem querer
Havia tempo de estudo tempo bom pra se aprender
E o menino missioneiro já sabia resolver
Entre o latim e a harpa entre o canto e a lavoura
A cultura era raiz feito árvore que vigora
Cresceu forte como o cedro, ágil como um minuano
Sabia o rio e os segredos, que não sabe o castelhano
O branco estuda milênios mas não aprende o arcano
Que a terra ensina ao vivente desde o dia soberano
Com as aves aprendeu voos com os bichos valentia
E na mata encontrou rastros de sua velha energia
Mas um dia a paz desfez-se como o vento em ventania
O exército inimigo sem piedade destruía
As Missões e os missioneiros que na fé sobreviviam
E o piá já feito homem resistiu com valentia
No estrondo das arcabuzes sobre os ecos da tormenta
Seu grito foi de coragem e sua alma foi de guerra
Os soldados então vieram com presente de devoção
O menino já crescido enfrentou evitou batalha sangrenta
Defendeu com corpo e alma, despedaçando a Santa Sagrada
Mas sabia que na terra a guerra é só ilusão
Pois enquanto a natureza cantar vento sopra e corpo é nada
A cultura Missioneira transcendeu de dimensão
Hoje o branco se pergunta por que seca a natureza
Por que matam-se os peixes por que some a correnteza
A resposta está no tempo no estrago e na frieza
No que fez com essa terra na sua insensateza
O índio sabia os códigos que regiam cada trilha
Mas o branco na ganância fez do chão sua armadilha
No presente de embuste para adular o General
Havia uma Santa antiga entalhada à luz primeira
Com pedras cintilantes, guardava a fé pura e verdadeira
Protegendo o povo, Sepé a quebrou e fez trincheira
Mas um dia a guerra bruta fez da terra um campo imenso
E a imagem quebrada para um plano mais intenso
Cada parte da imagem foi levada entre os guerreiros
Um pedaço em cada coxilha a avisar do inimigo
Sinal para evacuar povos até chegada dos forasteiros
Pois a fé não se divide quando é feita em orações
E no meio daquela guerra o inimigo recuava
Idéia da Santa partida, Sepé no pré Wi-Fi foi pioneiro
A vitória não se apresenta onde a guerra te coloca
Guardião das terras do Sul, virou guarda costa da Ordem dos Cavaleiros de Maria
Então o céu se incendiou num tropel de assombro e brio
E um cavalo de fogo irrompeu feroz num fulgor sombrio
Na crina ardente Sepé na mirada um trovão certeiro
Na lança o eco dos tempos julgando o invasor traiçoeiro
Não bastou tombar em terra nem o sangue manchar o chão
Sua alma fez-se tormenta cavaleiro em assunção
Nos campos do último embate onde o Guarani chorou
Sepé voltou em fogo o açoite que o opressor temeu
Corre à noite na coxilha sombra e luz furor e prece
Recolhendo os guerreiros que a guerra ao pó não esquece
E quem traiu sua gente sente o galope rugir
Pois a lança de Sepé nunca há de se extinguir