Era Alguém

Era alguém que chegava, porém já partia.

Era alguém que apanhava, porém não batia.

Era sempre do bem, era sem um vintém,

Era só de ninguém, era o trilho do trem.

Era o tênis furado, era a bolha no pé,

O presente, o passado e o futuro na fé.

Era o túnel escuro, era o posto sagrado,

Um sorriso tão puro... violão afinado.

Era a dor que cantava, era a flor que sofria,

Era a luz que murchava, era o som que floria

A semente da vida, a canção preferida,

A saudade doída e a paixão proibida.

Era a mesa de bar junto a neve a cair,

Um café pra acordar, mas um chá pra dormir.

Era um beijo do mar num abraço da terra,

O barulho da paz no silêncio da guerra.

Era fome de pão, era sede de vinho,

Era só ilusão? Era um furo de espinho?

Era, sim (talvez não), era igual passarinho.

Era algum caminhão, de raspão, no caminho.

Era a sorte constante, o pneu remendado,

O mosquito irritante, o relógio... parado.

Era o inferno no céu, tão juiz quanto réu,

A doçura do fel com o amargo do mel.

A montanha gigante, a floresta encantada,

Uma curva insegura, uma ponte quebrada,

Cachoeira-amargura, uma rede rasgada,

Era um uivo distante, a carcaça na estrada.

Era o sangue minando, um coitado gemendo,

Uma pena valsando, um riacho crescendo.

Era um peixe no anzol, um cachorro de rua.

Era um dia de lua e uma noite de sol.

Era um banho gelado, uma roupa quentinha,

Um lugar isolado, uma vista fresquinha.

Era um céu estrelado, a gatinha mansinha

Era um corpo largado e uma manta fofinha.

Era o vento soprando, era a chuva caindo,

Era a morte chorando, era a vida sorrindo.

Era o verso rimando, um soneto dormindo.

Era um louco sonhando seu sonho mais lindo.