Quando palavras ferem mais que o tempo, a amizade se despede sob o peso do desprezo.
O fim de tarde tinha um brilho cálido, mas o ambiente da modesta lanchonete do bairro estava carregado de tensão. Joseane, com seus cabelos bem arrumados e um vestido floral que exalava elegância, mastigava distraidamente um pedaço de torta. Carlos havia saído há poucos minutos, o rosto tenso, mas foi como se sua presença ainda pairasse no ar. Ana e André permaneciam sentados, os olhares fixos em Joseane, que parecia alheia à tempestade emocional que provocara.
A cena tinha começado com a usual reunião entre os amigos de infância, mas a animada conversa foi interrompida pelo desprezo habitual de Joseane em relação a Carlos. Uma piada mordaz sobre as roupas simples que ele usava, seguida de um comentário ácido sobre o futuro limitado de alguém que vinha de "família humilde demais", fora o estopim. Carlos, que geralmente preferia se calar, levantou-se abruptamente, encarando-a com olhos marejados, mas cheios de dignidade.
— "Você fala como se fosse melhor que todos nós. Talvez você seja melhor que eu aos seus olhos, Joseane, mas o que eu tenho de sobra, você nunca vai ter: respeito por quem divide o mundo comigo."
Ele deixou algumas moedas sobre a mesa, girou nos calcanhares e saiu, o som da porta se fechando ecoando na pequena lanchonete. O desconforto caiu como uma névoa densa entre os três que restaram. Joseane, ainda de cabeça erguida, murmurou algo sobre "não conseguir entender por que ele sempre levava tudo tão a sério".
Ana, que até então permanecera calada, cruzou os braços, os olhos brilhando com uma fúria contida.
— "Você foi longe demais, Joseane."* A voz dela cortou o ar. — *"Eu aguento muita coisa sua porque somos amigas há anos. Mas isso... isso foi crueldade. E você sabe que foi."
Joseane arqueou as sobrancelhas, como se estivesse chocada com a acusação. — "Ana, pelo amor de Deus, não é como se ele não soubesse que o mundo é assim. Eu só disse o óbvio."
André, que até então tamborilava os dedos na mesa, explodiu. — "O mundo é assim porque pessoas como você insistem em manter esse tipo de pensamento!"* Ele se inclinou para a frente, apontando o dedo para ela. — *"Você sempre foi mimada, Joseane, mas nunca imaginei que pudesse ser tão insensível."
Joseane bufou, virando o rosto para a janela. — "Vocês estão exagerando. Carlos sabe que eu gosto dele, só não sei falar de outro jeito."
Ana riu sem humor, uma risada amarga que atraiu o olhar de alguns clientes próximos. — "Isso que você chama de gostar é tóxico. E eu não vou ser cúmplice disso." Ela se levantou, puxando sua bolsa com um movimento brusco. — "A partir de agora, você não fala mais comigo até se desculpar com Carlos. E não é só se desculpar... tem que ser de coração, Joseane."
André também se levantou, ajeitando a cadeira com cuidado. Seus olhos estavam duros, a severidade em sua voz contrastando com o usual tom amigável. — "E você está fora da equipe. A gente não precisa de alguém que não valoriza quem realmente importa. Gritar palavras bonitas para plateias vazias não adianta quando você machuca os que estão perto."
Joseane finalmente pareceu sentir o peso do momento. Sua postura, antes tão altiva, se desfez um pouco. — "Vocês estão me abandonando por causa dele? Sério? Depois de tudo que passamos juntos?"
Ana parou na saída e virou-se apenas o suficiente para lançar um último olhar a Joseane. — "Não é por causa dele, Joseane. É por causa de quem você está se tornando. Boa sorte com isso."
E, com isso, os dois saíram, deixando Joseane sozinha na mesa, o som do relógio na parede marcando o passar do tempo e o vazio que agora parecia mais opressor do que nunca.
As luzes fluorescentes da lanchonete refletiam na xícara de café intocada de Carlos, como uma lembrança muda do que havia se perdido. Joseane suspirou, seu coração afundando no silêncio que antes fora preenchido por risos e conversas. Uma lágrima deslizou por seu rosto, mas não havia ninguém ali para vê-la. Ela sabia que precisava mudar, mas ainda não sabia como.
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Terá um outro capitulo este conto...