Vivia só, mas resignado.
Após anos de absoluta solidão,
Estava mais que acostumado
Às lamúrias do coração.
Não foi sempre assim, confesso,
Já tive alguém e fui feliz um dia.
Minha primeira amada, amor pregresso,
Arrancada de mim pela morte vadia.
O luto foi longo, mas passou enfim.
Crendo poder amar de novo, passei a esperar,
Até que, insolitamente, sem acreditar,
Alguém se aproximou de mim.
Linda, como não supunha mais ver;
Bela, como toda linda anseia em se tornar;
Formosa, como toda linda e bela deseja ser;
Fatal nos atributos femininos, pronta pra matar.
Rendi-me aos seus encantos, extasiado.
Perplexo, não resisti e fui recolhido ao seu quarto.
Nos seus quartos e quadris fui enquadrado,
Apenado confesso de amor farto.
Devorava os dias, enlevado de amor e paixão,
Em alquimia, nas noites febris, o gozo extrato.
Até que, inesperadamente, ela me disse – Não!
Após cento e vinte e cinco dias, para ser exato.
Ensandeci em dor pela parte perdida,
Em choro diário, copioso, amiúde.
E a parte que ficou, parte ferida,
Parte partida, prenunciando ataúde.
Tentando esquecer, lembrava, e não vivia,
Renitindo acorrentado às recordações.
Buscando fenecer, finava, mas não morria,
Delirando atarantado no fanal das paixões.
Varando as noites destilando amor e dor,
Sabotei meu corpo em cinzas e frangalhos.
Exaurido, entreguei-me em confuso torpor,
Abrigando a alma em soturno agasalho.
Devaneando, vi estirada minha carcaça:
O molambento, hirto e solitário eu.
Estranha vontade em minha mente passa,
Invade-me o desejo de me dizer adeus.
Resolvo ser o sonho e não o sonhador,
Resoluto, recolho-me ao autoexílio idilista.
Vive a criatura, morre o criador,
Eu era eu. Era. Eu niilista.
E me deixando em sono profundo
Parti alucinado à procura dela.
Seguindo enlevado de amor fecundo,
Num átimo me achava na sua janela.
Fitando seu corpo que adormecia transparente
Reparei que a seu lado eu me faltava.
Soprei-me como o vento, sem peias, renitente,
Aproveitando que o breu da noite me solapava.
Invadindo os lençóis que seus encantos cobriam,
Senti de novo sua pele alva, incensada, sedosa.
No conchego buscado, mil sensações me invadiam,
Encorajando o coração na decisão que esposa.
Resoluto e obstinado em não mais a perder
Resolvi esquecer que tinha um corpo a zelar.
Não lembrar mais de mim para me esquecer
Da vida molambuda sem ela para amar.
Viverei do seu lado sem o que me representa
Sem que saiba, para sempre com ela, alheia.
Exilado da minha forma orgânica, de vida sedenta,
Cujo meu abandono o direito à vida cerceia.
Ossos, músculos e órgãos entregues à própria sorte,
Serei apenas eu: alma, amor e coração.
E quanto mais definha o corpo prenunciando a morte,
Mais estarei atlântico com o viço da paixão.
E quando encontrarem o cadáver do que fui,
Enterrarão o futuro triste e solitário que eu teria.
Viverei maravilhado com o presente que flui:
Eternamente com ela. Sem nostalgia.