Eu que na vida inteira fui um pato
Em um viver discreto, uma neblina
Ouso ao final deixar breve relato
Pra despedir-me feliz nessa poesia
Dizem que o cisne possui um canto
que é tão maravilhoso que hipnotiza
mas esse seu cantar cheio de encanto
só revela no fim, quando já agoniza
Eu não tenho assim tal predicado
E se alguém me ouvir eu agradeço
Entrego o meu cantar desafinado
dispenso as palmas que não mereço
Não deixo grandes obras, nem pegadas
Sou simples, como simples é a maioria
E ainda aqui e acolá, umas derrapadas
Que espero não turvar minha travessia
Infância bela no alto das mangueiras
Correndo atrás de pipas e estilingue
Curtindo ao sol, saudosas brincadeiras
Que a gente quer reter e não consegue
Mas o tempo passa e a vida segue
As coisas de crianças são deixadas
E vem a juventude e assim prossegue
Trazendo o tempo bom das namoradas
Até que uma especialmente amada
Enlaçou-me o coração com nó dobrado
Quando percebi já estava apaixonado
E unidos então trilhamos a estrada
Os filhos foram dois e dois moleques
Cresceram e hoje vivem suas vidas
A partir daí a vida perde os breques
E o tempo torna minutos em milhas
O meu cabelo e a barba estão grisalhos
Meus braços já não têm o mesmo vigor
O passado às vezes volta em retalhos
Cada um deles uma expressão de amor
Nesse momento meu canto apresento
E com o cisne melhor sou distinguido
Canto de amor, alegria e agradecimento
E volto a Deus, meu Senhor e meu amigo