BOM DIA

CARTA DE ALFORRlA

Esta história mostra o grau de integração entre os membros do nosso grupo. Duas músicas completamente diferentes, mas com o mesmo tema: uma feita a letra sobre a melodia e outra a melodia sobre a letra, por dois parceiros, e a distância.

Reuníamos agora, além das quartas-feiras na sede social, às sextas na sede campestre, que era o apelido da entrada de carro para o prédio dos meus filhos, que fica por trás da minha casa. Fizemos uma infraestrutura de copa e bar com freezer, para prover as reuniões do Clube do Camelo. Agora os Camelos não tinham mais por que ficar sem beber nem a sua água, quanto mais o resto.

Ocorre que normalmente os frequentadores, independentemente de sexo, eram só os amantes da música. Alguns Camelos que gostavam mais do papo, como o Maranhão, afastavam-se um pouco para conversar ou fumar, enquanto os de­ mais tocavam e cantavam.

A maioria das esposas dos Camelos não era tão aficionada assim. Este era o caso da primeira dama do Gervásio, por coincidência uma das três odontólogas (a do Firmino e Agostinho também o eram). Segundo ele, ela já estava cansada de tanta tocarola desde o tempo de namoro, quando tinha que acompanhar "OsBrasas" -este era o nome da banda do Gerva- até alta madrugada. Dessa maneira nunca ela ia às reuniões do Clube.

Acho que isso já estava causando alguma desavença familiar pois o Gervásio sempre era o último que saia, tanto quarta, como sexta. Principalmente sexta, que a função só terminava com os primeiros raios do sol.

Tanto isso era verdade que um dia, o Gervásio chegou encomendando pra mim uma letra que falasse da mulher que nunca estava, mas que ele sempre pensava nela durante as reu­niões (mentiroso!), do amor que sentia por ela, enfim, que tirasse a bronca de suas chegadas na manhã do dia seguinte.

Acontece que sem saber um do outro, tanto eu fiz a letra quanto ele a melodia. Ele chegou com uma fita gravada com um sambão e eu com a letra de "A noite " que casava, no má­ximo, com samba canção e nunca com aquela batucada carna­valesca da fita.

O jeito foi eu dar a letra para que ele adequasse à outra música e, ao mesmo tempo, mas separadamente, trabalhei noutra poesia com a mesma ideia para colocar na melodia. Assim saíram duas variações sobre o mesmo tema: o "Bom Dia" gra­vado pelo Agostinho no primeiro CD e apresentado em vários shows e " A NOITE" também bonita mas nunca apresentada em público. Embora com estilos diferentes, parece que o Gerva gosta mais desta última. Prometi até apresentá-la no próximo show. Não sei porque cargas d’água isso nunca ocorreu. Será que choveu?

BOM DIA

(Gervásio Cavalcante e Almir Morisson)

Bom dia,

Já são seis horas da manhã

Já vou guardar meu violão

Já vou voltar pro meu amor

A noite,

Esconde estrelas com poesia

Protege a lua do sereno

Botando brilho na manhã

Sinto

Um sangue novo no meu peito

Por entre acordes e harmonias

Paz no coração

Bom dia,

Já são seis horas da manhã

Já vou guardar meu violão

Já vou voltar pro meu amor

Amada,

Te peço tenhas paciência

Com teu poeta que só canta

O amor que sente por você

Sente,

Que os meus versos são cantigas

Para ninar na madrugada

O teu coração

Acorda

E vem beijar o teu cantor

Que está trazendo o sol

Quero sentir também o teu calor

Acorda

E proclama todo o brilho

Das luzes que o sol acende Pelo azul do céu

Belém, 16 de abril de 1994

Já disse em outra crônica e aqui repito, que a data que coloco no fim das letras, à semelhança da que existe nas caixas dos remédios, é a data de fabricação, só que aqui não existe data de validade. É indeterminada, ou melhor infinita e, me perdoe Vinicius, não apenas enquanto dure, porque aqui dura pra sempre...

Vejam como ficou a letra da outra música:

A NOITE

(Gervásio Cavalcante e Almir Morisson)

Fico até de madrugada

Sentindo canções e rimas

Bebendo paixões sem fim

Cantando amor e amizade

Enquanto a noite tirando

Seu manto negro

Protege a última estrela

Do sereno, pra dormir

A lua amiga está

Lá no céu meio escondida

Pelo brilho da manhã

Deseja por um momento

Ser a eterna namorada

Tão presente na canção

Isto que é felicidade, emoção

Viola, sonho e saudade

Da mulher que nunca está

Mas espera paciente

Sabendo bem que estas rimas,

Acordes, bordões e primas

Tangidos ao amanhecer

São cantigas de acalanto

Daquele que só no canto

Mostra todo seu querer

17//04/94

Não posso confirmar se a encomenda surtiu efeito. Só posso dizer que o Gervásio continua sendo o último que sai e continua indo desacompanhado às reuniões do clube. E a Dra. Sandra fica em casa tranquila ''sabendo bem que estas rimas, acordes bordões e primas, tangidos ao amanhecer, são cantigas de acalanto daquele que só no canto mostra todo o seu querer...''.