Minhas ex-namoradas, quase namoradas, ficantes, ou relacionamentos permitidos ou proibidos, alguns que, na época, nem sempre poderia comentar, frequentemente foram temas das músicas que fiz, sozinho ou com parceiros e que, de alguma forma, pela sua impessoalidade me permitiram expor, contando o milagre, sem que fosse necessário dizer o nome do santo, ou melhor da santa.
Não me importo de chama-las de amantes, qualquer que seja sua característica, pois denotativamente, amante é a pessoa que amamos. Sem nenhuma conotação pejorativa. Muito pelo contrário.
Hoje posso falar do fato sem nenhum pudor, já que me permite a minha prioridade sobre as menores prioridades legais, que ganhei quando completei os oitenta e com uma esposa atual mais nova que alguns dos meus primeiros filhos. Pelo amor que tenho a ela, essa, minha esposa e companheira atual, é a minha verdadeira amante.
O “caso” que gerou a música que aqui historio, aconteceu há muito tempo, antes mesmo de conhecer minha atual esposa, e de cuja protagonista perdi totalmente o contato.
“S” era uma morena que encontrei na época que os CDs tinham tomado conta do mercado, substituindo os antigos bolachões e quando ainda não havia a facilidade do youtube, spotfy ou qualquer outro aplicativo nos fornecer as músicas que quiséssemos desfrutar. Tínhamos que comprar as mídias físicas ou usar as FM radiofônicas se quiséssemos ficar atualizados com os lançamentos musicais.
“S” era vendedora de uma dessas lojas, abundantes na época, e tinha um gosto musical semelhante ao meu. Menina linda que em nossas conversas descobri nascida no Acará. Pra quem mora longe da minha terra, Acará é uma cidade do Estado do Pará pertencente à Micro Região de Tomé-Açu.
Sua provável descendência indígena tinha miscigenado com alguma longínqua ascendência o que tinha lhe brindado com um dos olhos mais lindos que minha vista tinha se deliciado. Não dava pra dizer se eram verdes, azuis, marrons ou sei lá o que. Só sei dizer que eram claros como a luz do luar. Uma jóia preciosa que me iluminava.
Passei a comprar um CD de cada vez só pra ter oportunidade de tornar a vê-la. Ficávamos juntinhos conversando sobre os últimos lançamentos e no roçar das minhas em suas pernas, a natureza, que na época não era tão preguiçosa como agora, rapidamente fazia subir o que era pra ficar quieto. Encostava mais para que o povo não percebesse e sentia que não era rechaçado pelo leve sorriso que aparecia em seus lábios.
Deixei que a amizade que se tinha instituído falasse mais alto e não propus nada mais intimo. Mesmo porque descobri que ela estava noiva, com casamento quase marcado e eu também ainda estava no meu primeiro compromisso formal.
A troca gradativa das mídias físicas pelas virtuais fez com que fossem fechando as lojas de CDs. Mas sempre conseguia reencontrá-la nos novos endereços. Com certeza sabíamos o que cada um sentia.
Dei de presente em seu aniversário uma poesia, a “Moreninha do Acará” e disse que um dia, se pudesse, iria musicá-la. Não tive a inspiração necessária para fazê-lo e pedi ao meu parceiro mais constante, o Gervásio, que me acompanhasse na tarefa.
MORENINHA DO ACARÁ
(Gervásio Cavalcante e Almir Morisson)
Moreninha do Acará
Dos olhos cor de luar
Tentei te falar com os olhos
Porém não chegaram lá
Quem sabe a luz dos teus olhos
Impediram de falar
Ou quem sabe foi vergonha
Desses olhos de luar
Ou quem sabe foi vergonha
Desses olhos de luar
Tentei pegar no teu rosto
Os dedos não se mexiam
Tentei encostar no corpo
Até com o que não devia
Teus olhos quando notaram
Fingiram que não me viam
Teus olhos quando notaram
Fingiram que não me viam
Sonhei que te namorava
E quase caí da cama
No sonho encostava tudo
Fazia o que bem queria
Via teus olhos fechados
De prazer e de alegria
Entrava na tua bochecha
Naquelas duas covinhas
Fazia nos olhos claros
Cafuné nas menininhas
Estava mesmo enfeitiçado
Pelos teus olhos de mar
Aí acordei suado, morena
Aflito pra te encontrar
Moreninha do Acará,
Dos olhos cor do luar
Eu sei não tenho direito
Nem mesmo de te mirar
Nem de sentir o teu cheiro
Quanto mais de te tocar
Mas sei que a razão não manda
Mesmo que eu queira mandar
Mas sei que a razão não manda
Mesmo que eu queira mandar
Quando nos enlaçam os galhos
Desta paixão matadeira
Amor não bate na porta
E entra onde não se espera
Não precisa ser chamado
Passa por cima do mundo
Se planta no meio da sala
E cresce cobrindo tudo.
Se planta no meio da sala
E cresce cobrindo tudo.
Ela havia adorado a letra, mas quando mostrei o carimbó sofisticado feito pelo Geca tive a impressão dela não ter gostado muito. Talvez porque soubesse do meu gosto musical e esperasse uma melodia mais romântica. Eu tive essa impressão.
Cheguei ainda várias vezes a levá-la de carro deixando-a, a seu pedido, perto de sua casa para evitar comprometer-nos. A vida, todavia nos fez trilhar caminhos diferentes, até que um dia encontrei-a numa das últimas lojas do tipo ainda aberta. Mostrou-me fotos da sua primeira filha e conversamos sobre o que o destino tinha preparado pra nós.
Não sei hoje onde e como ela se encontra, mas a “Moreninha do Acará” foi gravada no CD do Clube do Camelo, interpretada pelo Firmino e você pode escutar aqui no Recanto em:
https://www.recantodasletras.com.br/audios/cancoes/106052