SEDUÇÃO

ASSIM É O CLUBE

Nestas crônicas, que há algum tempo publico no recantodasletras.com sempre falo das músicas que criamos no grupo musical ao qual pertenço chamado Clube do Camelo, mas até agora, não tinha esclarecido nada sobre ele.

No livro“É do Camelo...”, que publicamos, eu e o Eduardo, com crônicas minhas e dele, as duas primeiras crônicas contam o que é, como é, como e porque surgiu o Clube do Camelo. Mas como nenhuma das duas foi escrita por mim e os leitores daqui do Recanto das Letras talvez não conheçam alguns detalhes, vou aqui contar o babado do meu jeito e da maneira que minha memória consegue lembrar.

Sempre gostei de música, todavia até minha juventude fui um mero espectador e um cantor de banheiro. Pratiquei bastante o esporte olímpico do Tiro ao Alvo, chegando até a participar da equipe estadual e de diversos campeonatos brasileiros e interestaduais.

Nestas competições conheci um atirador chamado Raimundo Nonato de Matos Dantas, que na época era apenas um funcionário do extinto DNOS, mas logo se formou em advocacia e chegou a ser seu Procurador Geral. O Dantas, além de atirador, era artista plástico e também exímio violonista.

Comecei a frequentar as rodas de seresta junto com ele, e por lá fui encontrando outros seresteiros como o Edyr Proença, o José Maranhão, o Fabiano Moraes, o Agostinho Barros e muitos outros, cada qual com sua profissão de subsistência, mas todos amantes da boa música. A estes citados foram se juntando, como sempre acontece com seres humanos que tem um interesse comum, o Pepê Ayres, o Gervásio Cavalcante, o Firmino Sousa Filho e por último o Eduardo Queiroz.

Assim, essa plêiade de dez engenheiros, advogados, professores, administradores, médicos, representantes comerciais, químicos e jornalistas reunia-se, a convite do Dantas, no escritório dele, toda quarta feira, a partir das 18 horas, quando terminavam seus expedientes normais de trabalho e ficavam até às dez da noite papeando, tocando, cantando e compondo músicas.

O Dantas, Almir, Edyr, Maranhão, Pepê, Fabiano, Agostinho, Gervásio, Firmino e o Eduardo já participavam destes saraus, sem que ainda se denominassem Clube do Camelo, quando em um dos encontros chegou um amigo do Dantas que morava em outro estado. O Cremildo Cardoso, assim era o nome dele, estava muito tempo fora e a saudade o fez ficar até mais tarde.

O escritório do Dantas ainda estava sem geladeira. Bebedouro muito menos. Todas as vezes saiamos cedo e nesse meio tempo comíamos e bebíamos música e com isso até que ficávamos bem alimentados, tal era nossa paixão pelos acordes sonoros.

Já era madrugada quando o Cardoso lembrou-se e gritou: “Égua, aqui parece festa de camelo, ninguém bebe nada!...”

Brincalhões como sempre aproveitamos a deixa e dai em diante nosso grupo passou a se chamar “Clube do Camelo”. Também, daí em diante nunca faltou mais água e até, de vez em quando, aparecia uísque ou vinho. Lembro que depois de certo tempo, por mágica, apareceu um frigobar.

Para que se entenda melhor como é o clube vale contar a histórias de algumas musicas. Iniciando pela música que o próprio Cardoso fez em nossa homenagem.

Depois que chegou ao Rio, que era onde estava morando, Cardoso mandou esse chorinho:

CHORO DO CARDOSO

(Cremildo Cardoso)

Um dia eu estava tão contente

Ao lembrar da minha gente

Sem querer esquecer ninguém

Por isso fiz um choro bem chorado

Como herança do passado

Na minha doce Santarém

Nunca pensei jamais compor esse meu choro

Exaltando o meu povo

E a terra onde eu nasci e me criei

Mas viajando descobri um mundo novo em Belém

Cidade que bem cedo eu aprendi amar também

Descortinando a sua bela paisagem

Rendo então minha homenagem

Aos amigos que aqui eu encontrei

A turma das reuniões das quartas feiras

Das canções das brincadeiras

Cada qual na sua vez

Um brinde com meu choro e o meu apelo

Sou do clube do camelo

Meus amigos são vocês

O Cardoso, amigo do Dantas nasceu na mesma cidade de Santarém, e morou muito tempo em Belém. Nesse choro/homenagem Cardoso lembra o Clube do Camelo. Depois disso recebeu o titulo de Camelo Honorário.

Ouçam a música em: https://www.recantodasletras.com.br/audios/cancoes/104518

Quando surgiu o Vamos Bebemorar, junto vieram as maiores conjecturas.

- É filho de fulano!

-Não, é neto daquele outro!

Mas não era nada daquilo. Na realidade a letra tinha sido criada por mim um ano antes da música, inspirada na anedota que o Agostinho contava, mas sem estar direcionada a ninguém.

Na época ainda não estava muito em moda o “politicamente correto”. Ainda assim uma amiga cantora não suportava quando se cantava essa música. Isso é o tipo de brincadeira que não se deve fazer com criança, dizia ela;

Um ano depois que fiz a letra, o Gervásio botou uma mistura de merengue com baião como melodia e ficou isso aí:

VAMOS BEBEMORAR

(Gervásio Cavalcante e Almir Morisson)

Nasceu!, Nasceu!,

Nasceu, o bicho nasceu!

E feioso este pimpolho quase o moleque não sai

É zarolho este trambolho, parece até um piolho...

Mas é a cara do pai

“Vamo” beber, “Vamo” bebê,

“Vamo” bebemorar

“Vamo” pros comes e bebes não adianta chorar

É pinga, é pinga, é pinga, é cachaça com limão

Champanhe, uísque e cerveja, o mijo do cueirão

Dizem que é a cara do pai, estou torcendo que mude

Mas como feiura não sai, importa é que tem saúde

É feio, é feio, é feio, zarolho vesgo e chorão

É feio, é feio, é feio, pior do que um palavrão

21/09/97 Letra

15/02/98 Música

Essa vocês podem ouvir em:

https://www.recantodasletras.com.br/audios/cancoes/104481

Mas no nosso clube nem sempre as músicas ficavam do jeito que tinham sido criadas. Tem-se como exemplo a Decepção e Estrela Guia, ambas criadas como canções e que depois viraram respectivamente canção e marcha rancho e a Sedução que nasceu malaguenha, flamenco, choro-cigano ou sei-lá-o-­que e acabou virando tango.

A Decepção do Eduardo dada para o Gervásio musicar, foi realmente uma decepção quando veio como canção. A melodia era bonita mas a letra não casava de jeito nenhum. Aquilo era letra de samba!

Feitas as modificações a música ficou uma beleza, merecendo até ser um dos destaques de nosso segundo disco. A letra, a letra, o áudio e a história completa podem ler e escutar em:

https://www.recantodasletras.com.br/letras/5908604

https://www.recantodasletras.com.br/audios/cancoes/73490

https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/5907728

A Estrela Guia, sobre a qual o Eduardo já comentou no nosso outro livro de crônicas, nasceu canção e começou a ser gravada como tal em nosso primeiro CD. Quando eu ouvi achei muito bonita, mas um tanto monótona, assim cantada toda como canção. A segunda parte pedia uma marcha-rancho. Pra convencer o Pepê a fazer a modificação foi duro, mas como ele era só uma voz na multidão - os outros todos gostaram - acabou cedendo. Ficou uma das faixas mais bonitas de nosso primeiro CD.

A letra era assim:

ESTRELA GUIA

(Pepê Ayres)

Violão o meu cantar é triste

Porque já não existe razão para se cantar

Cantei Maria na terça-feira de carnaval

Cantei seu corpo suor e risos até o grito final

Fomos pra rua cantei a lua

No silêncio após folia cantei a estrela guia

A estrela guia louca fantasia

Quimera divina luz transcendental

A estrela guia mudou-se em Maria

Loura colombina do meu carnaval

Ilusão só me restou saudade

Dessa felicidade que em cinzas se consumiu

Minha alegria durou apenas um carnaval

Silente o canto se fez em pranto minha voz estival

Até a lua sumiu da rua e um silêncio que agredia

Na quarta feira havia

Minha estrela guia se apagou um dia

E levou com ela o meu ideal

Minha estrela guia bela e fugidia

Se perdeu no sonho desse carnaval

E a música, depois da modificação, ficou assim

https://www.recantodasletras.com.br/audios/cancoes/104481

Quanto a Sedução, a história foi assim: Certo dia o Gervásio mostrou a sua mais recente composição ao Firmino. Tratava-se de uma música instrumental, estilo choro-cigano. O Firmino ouviu, ouviu, levou a fita pra sua casa e depois mostrou pro Gervásio uma letra para aquela música.

Assim a música sedução nasceu com letra do Firmino e melodia do Gervásio no estilo sei-lá-o-que. De repente o Firmino achou que ficaria melhor como tango e com a mesma melodia saiu um tango moderno a la Piazolla, com um trecho muito difícil de cantar. Que o diga a Leila Chavante, incumbida de interpretá-la no último show da dupla.

SEDUÇÃO

(Gervásio Cavalcante e Firmino Sousa Filho)

Curvas de um semblante esguio

Moldurando o teu corpo macio

Sutilmente, vens me provocar

Aguçando minha ilusão

Tom de suave perfil

Domina o tempo

Contemplo magia no teu movimento

Incenso que embevece o ar...

Sedução

Pulsa o meu sangue a mil

Fervilhando em meu peito vazio

Envolvente, tua intenção

Acha espelho no meu coração

Som de um saudoso vinil

Bálsamo canto Argentum

Revela encanto que tanto cintila

Com aura de amor...

Sedução.

A melodia escutem em:

https://www.recantodasletras.com.br/audios/cancoes/104516

Assim é o clube. Todos opinam sobre tudo e todos aceitam mudanças, desde que sejam para melhor. Como dizia o Edyr:

- Posso até estar contra, mas o que a maioria decidir eu aceito.

E bota democracia nisso!