Sonho com a casa do meu pai
uma casa que é a síntese de todas as casas
do meu pai
de cada casa do meu pai
surge uma lembrança
na casa do meu sonho
que é a casa do meu pai
diferente e igual a todas
as casas do meu pai
há duas janelas venezianas
uma porta
porta de abrir para fora
nenhum adorno senão um ar de ausência
na frente da casa
um gramado verde amarelado
como se fosse banhado
pelo sol da manhã
não sei se é manhã
no meu sonho
não posso saber se é manhã
eu no sonho
abro a porta
encosto-me à parede
pelo lado de fora
sou o menino de cinco anos
cabeça raspada
o ridículo topete na frente
assim usavam os meninos
quando eu tinha cinco anos
eu sou o menino
que no sonho abre a porta
espera
espera a volta do pai
espero
sei que vou esperar
sei que o meu pai não voltará
no sonho eu sei
sei também no sonho
a infinidade de sonhos que terei com a volta dele
volta impossível mesmo nos sonhos
aguardo até que entro
fecho a porta
no sonho eu não vejo
mas sei que choro por trás da porta
choro porque meu pai não voltará
choro porque
mesmo menino
no meu sonho
sei que um dia
terei um filho que também
um dia partirá sem despedida sem abraço
não voltará
apesar da porta que eu abro
no meu sonho
choro
sei no sonho
que um dia
terei uma filha e um filho
eles me esperarão
na porta à qual não voltarei
tal qual acontece com a nunca volta do meu pai
choro pela dor deles
sofro no sonho
sou um menino de cinco anos
que abre a porta da casa do pai
e espera.
Carlos Magno de Melo