Cordel em homenagem ao nosso segundo Cabral, a meu ver, o poeta que "redescobriu" o Brasil.
Seguem em versos de amargo cordel
À minha terra tão virgem de mel:
Desde os tempos de "Severina"
Nada muito mudou por ali
Nem João, nem sua sofrida Maria!
Nem as dores plantadas aqui,
Nem a morte da vida arredia
Já gritada no "terra a revista!"
Suportou tanta melancolia
Do abandono dessa gente esquecida
Que lhes traço em prosa constrita.
Eu lhes conto duma terra bonita
De riqueza nunca vista igual
Dum marzão que ao sol brilha de dia
E que a noite nos reflete o lual.
Um João que também foi Cabral
Em poesia, a redescobrir o Brasil,
Certo dia versejou seu igual
Pelas terras adubadas de ardil;
Mesma terra que canto a um bom dia
Que aqui já nem é mais varonil.
João andou e andou sob o sol
A catar toda rima sem sal,
Já sem chão, sem choupana ou quintal!
Craquelando sua pele no tempo
A contar em poema de alento
Entrelinhas de todo vão pranto...
Poetada com tinteiro de espanto:
Que o menino nascia sem peito
Sem futuro, sem comida, sem leito!
A morrer sem ter terra ao assento
Da carcaça morta de tanto tormento,
Dos seus ossos derretidos na fome
Da injustiça vinda da mão "dos Homê".
O João que foi um mártir Cabral
Poetando tanta dor desigual!
Que morreu com a dor no seu peito
Poetou nosso caminho final
Para além dum sofrimento sem leito.
Desta vida que continua insana
Pelo tudo que corre na lama!
Pelas vozes que fazem seu grito
Resvalar das montanhas dos lixos!
Conto que o tempo só se foi passando
Sempre alheio ao todo quebranto
Nada, nada por ali se poliu
Nenhum brilho se acendeu no ocaso
Do descaso dos homens sem brio!
Certo dia, a morte surgiu
Na vertente, dentre a lama corrente.
Foi quando a tragédia se viu
Toda vida morrendo nos rios:
Só mosquitos foi o que se pariu.
E mais tarde mesma "vida Severina"
Decantada dentre as tão tristes sinas
Já brotava dos "ventres Marias"
Embuchadas ao relento do dia
Dia duro de luta arredia!
Que se ia em noite de agonia...
Para o amor já morrido no leito
Pelo drama de não se ter "mosquiteiro":
O "diploma" dum ventre alvissareiro.
Os Mosquitos lhes sugavam a barriga
Sem ter dó, elas eram a comida
Temperada só de cruas feridas!
Sem ter chão, sem ter rio, sem ter óleo
Sem ter mata, só a ter a dor nos "zóio"
De avistar sua vida desgraçada
De morrer, assim, tão encruadas,
Na floresta, também asfixiada.
Os mosquitos no silencio da lida
Sem a zuniada chegada
Pela fresta da dura vidraça
Adentravam a vida já malfadada...
Duma casa toda abandonada.
Dor no bucho e nas dobradiças
Febre alta a arder na fumaça
Que queimava nas dores das matas...
Todas elas incendiadas!
Muita sede, sem ter chuva às carniças
Urubús disputavam as feridas.
E aos vírus que engoliam os ventres
Soluções se faziam prementes:
Às crianças que chegavam sem mentes!
Só aos homens então diplomados
Pelas dores que tantos disputavam
Os que espalhavam tão tênues migalhas
Pelas fomes já ali assentadas...
Lhes cabia amenizar a desgraça
Do que já não se escondia ao relento
Do abandono tido aos quatro ventos:
E as ações que se urgenciavam
(Não palavras escondidas nos papos!)
Já soavam em vozes e panfletos:
-Ao meu povo todo o nosso respeito!
Nos picadeiros dos nocauteados:
Os rendados descompromissados.
E os mosquitos faziam a festança
E das fomes enchiam as panças...
A sugar qualquer tênue esperança!
Sobre as tendas do "nada remendado"
O futuro já nascia Zikado
Debochando de jamais ser cuidado!
E as gentes que não tinham quintal
Já morriam sem ter hospital.
Às dores dos "partos"... nem cama!
Nem doutô vindo das vizinhança
Conseguia tanto mosquito matar!
Uma ideia surgiu no sufoco
O que apenas afligia ao "seu povo":
Chamaram os "três mosqueteiros"
Para alçarem pelo país inteiro
Uma tela para vida poupar
E para as mentes poder se salvar:
Uma ideia alvissareira,
Uma rede bem mosquiteira
Que mosquito não pudesse voar
Nem picar os que não souberam cuidar.
E todo parto pariu assustado
Do engano de se ter votado
Ao acaso dum voto zikado.
E seguiram pela triste sina
Duma terra em crescente agonia...
Carcomida por tantos velhacos
Ao epílogo de se ver aos pedaços!
Eu termino esse meu triste cordel
Com uma rima queimante de fel:
Sem ter água para soro de vida
Até a morte morreu ressequida.
Bem pior que *morte severina
Pelo tudo que morreu na latrina...
Da perene corrupção
A que sucatou nosso chão.
Morte em vida...
sob tela mosquiteira
Sem sequer ser
uma morte altaneira.
Nota: *alusão à belíssima obra "Morte e Vida Severina" de João Cabral de Melo Neto
Que Deus abra os zóio do Brasil.