(Para quem acredita na Imortalidade da Alma)
No silencio das madrugadas orvalhadas é que vagueio por entre os mundos da fantasia e na fantástica viagem do meu EU, encontro-me com as ternuras a muito esquecidas na velha arca da minha existência.
Ternuras quase nulas perante os longos anos do meu degredo.
Quando a minha nave aportou neste globo eu ainda não sondava os terreiros do meu quintal e agora que tateio na penumbra os limites desse meu quintal, sinto que está próximo o momento de embarcar as minhas malas e despedir-me deste canto hospedeiro.
Nesta minha viagem de volta quero levar comigo alguns souvenires, mas nada de valor material, apenas pequenas lembranças que possam um dia compor um quadro de quebra cabeças e nele poder visualizar que eu simplesmente passei por aqui como um despojado viajante que se feriu e que pelas inconseqüências de meus atos deixei muitos feridos.
Não posso esquecer-me do meu pão de cada dia que muitas vezes foi sovado nas noites atormentadas da minha loucura embriagada pelas paixões vis.
Não posso e não devo esquecer-me da minha meninice, quando as cores das bolhas de sabão escondiam um novo mundo colorido, mas que infelizmente era muito frágil, frágil demais até para a minha inocência.
Não posso escusar-me daqueles a quem eu apenas olhei nas beiras das estradas e que muitas vezes suprimi um sorriso ou um até breve, mesmo sabendo que o breve jamais seria de fato breve, pois há pessoas que simplesmente deixamos passar por nossas vidas para nunca mais revê-las.
Quero colocar no baú e nas minhas bagagens os retratos singelos de flores simples, de frutos doces e de um silêncio que eu não valorizei quando podia, porque meu EGO era sempre maior.
Quero levar comigo bem fixado na retina a imagem do primeiro e verdadeiro amor que tive, que não declarei, mas que intensamente amei nas horas mortas das noites sem fim em que construí e destruí castelos e fortalezas imensas.
Levo comigo as imagens de doces anciãs pacientes que na solidão dos seus dias coseram suas últimas colchas de retalhos e acumularam lágrimas de saudades no vaso de suas existências.
Terei sempre na estante de minha nova morada um porta-retratos da menina pobre das riquezas materiais, mas imensamente rica dos tesouros da simplicidade que moldaram o seu viver.
Levarei comigo imagens de pessoas resignadas que suportaram mais a dor da separação que a dor física. Que amaram muito os que sequer sabiam o que era amar.
Na minha bagagem terei espaço suficiente para as lembranças de pessoas simples e serenas que amadureceram forjadas nas lutas de cada dia sem esmorecerem.
Seguirá comigo o retrato da adolescente sonhadora.
Mulheres jovens e singelas farão parte do acervo de minhas melhores lembranças.
A sabedoria dos velhos terá um espaço especial no baú de meus tesouros porque a sabedoria é um bem intangível.
A inocência das crianças serão as flores perfumadas do meu cantinho predileto e verei nelas a doçura do mundo, do velho e do novo mundo que certamente se descortinarão aos meus olhos.
Os pequenos anjos feitos meninos e meninas cantarão no coral de uma nova existência.
Levarei comigo a sutileza de conversas amenas de amenas tardes de verão.
A juventude tímida me acompanhará nesta viagem em cujos intervalos lançarei meus olhares.
Quero chegar de madrugada na nova terra. Quero ver o clarão da aurora anunciando o dia.
Quero sentir o perfume da nova morada e nos seus campos floridos as esperanças renovadas de um novo tempo, de novas lutas, sempre rumo à lapidação da alma e do merecimento de um novo sol e de uma nova e eterna luz.
22 de agosto de 2008.