“Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.”
[Versos Íntimos (trecho) – Augusto dos Anjos]
DA SOLIDÃO
A solidão tem um lado mais triste do que o outro
Mas para qualquer lado que olho eu não vejo você...
No lado menos triste é tarde e o sol se põe,
Eu me ponho com ele como que entardecido,
Enternecido por lembranças em laranja e vermelho,
Empobrecido de não poder me ver mais no espelho,
Corroído de uma saudade tanta, como que anoitecido.
No lado mais triste quase sempre já é madrugada
E a noite atravessa um silêncio que sempre fiz,
Anda depressa uma vontade que eu nunca quis,
Essa vida assim vazia e talvez tão mal sonhada
E a equivocada impressão de que até já fui feliz.
Mas do lado mais triste da solidão não pode haver nada
E de tão calada, pobre e tão discreta a poesia nunca diz.
Ou então pouco diz de ninguém, de você e de mim
E o que diz quando tem de dizer é sempre triste assim...
A solidão é este fim de tarde que se faz sem nenhum alarde,
É essa madrugada passar incólume com essa noite atravessada,
Esse absurdo silêncio de um esquecimento que é dizer mais nada,
Este amor sonhado que aqui bem dentro do peito ainda arde...