A Ceição batia no marido

Publicado por: Maria Mineira
Data: 05/05/2012
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Maria Mineira

Senhor Genésio, um fazendeiro já idoso,  chamou o filho para uma conversa séria. Francisco beirava os trinta anos e ainda era solteiro.
—Ô Chico vem cá meu fio.
—Tô aqui meu pai.
—Oia, vá lá na bica, lava os pé e a cara e bamo cumigo lá na casa do cumpadi Arfredo... Ocê picisa casá, ieu num vô dessa pá mió sem ti dexá incaminhado na vida. O cumpadi tem umas fia moça trabaiadera na hora de casá e uma muié aqui pá cuidá das coisa vai sê de grande valia.
—Mais pai... Iô num quero casá num sinhô.
—Oia aqui Chico, num é questã de querê, é questã de pricisão e bamo simbora.
Foram-se pai e filho a caminho da fazenda do compadre Alfredo, que ao vê-los, logo gritou com a mulher lá na cozinha:
—Merencianaaaa! Cumpadi Genéso tá aqui mais o minino dele, traiz um café pra nóis e num isquece a broa de mio que ocê feiz hoje cedo...
Depois dos rapa-pés costumeiros, Genésio já foi logo dizendo a que veio:
—Poisintão cumpadi num vô faze rodeio, ocê cunhece o Chico indeis de minino, sabe que é moço trabaiadô, dereito. Ieu vim pá mode arrumá casamento prele cuma de vossas fia sortêra.
—Oia, nóis é vizinho a vida intêra ieu faço munto gosto nesse casório. Mai o cumpadi num falô cum qualé das minina o Chico qué casá? Tem a Arzira, a Ceição a Dergida. Tudo moça prendada e trabaiadera.
—Ah cumpadi isso é lá cum o Chico é ele qui tem qui arresorvê né? Fala aí fio, qualé das moça?
Chico no seu canto cortava as unhas com o canivetinho, levantou a cabeça e falou a primeira alguma coisa:
—Ah pai... Quarqué uma serve. O sinhô memo iscói...
As moças ouviam toda a conversa atrás da porta, tanto a Alzira quanto a Delgida esconjuraram, nenhuma delas agradava do Chico para casar. Mas para surpresa das irmãs, Ceição, a mais velha das três, meio passada da idade para os padrões da época, viu ali sua chance de não ficar para tia, pois seu gênio forte e sua fama de brava espantaram uma meia dúzia de pretendentes. Entrou na sala e foi logo dizendo:
— Meu pai, ieu caso cum o Chico!
Meses depois aconteceu o casório dos dois: muita festa, leitoa assada, doces e um arrasta pé que durou até amanhecer o dia. O Senhor Alfredo perdeu o seu braço direito ali na fazenda, pois na falta de um filho homem, a Ceição que o ajudava a cuidar de tudo.
A vida parecia normal, a não ser por um boato que circulava ali naquela roça... As más línguas falavam que a Ceição batia no Chico e o casamento não havia sido consumado. Chico com a sua natureza pacata baixava a cabeça e acatava as ordens da mulher. Diziam que quando este se atrevia a chegar mais perto da Ceição ela o recebia com duas pedras e ele acabava dormindo no paiol.
Certo dia, Ceição se azedou com o Chico por ele ter vendido um lote de bezerros sem sua aprovação. O trem ficou feio. Chico chegou da roça a Ceição estava muito brava:
—Bunito né sô Chico? Indêis de quando o sinhô vende gado sem mi priguntá se pode?
— Mais... Ceição... é qui ... Chico já tremia e até gaguejava quando ficava com medo ele trocava as letras da palavras.
Ela partiu pra cima do Chico:
—Ocê mi paga seu danado!
—Num mi... Mi... Bati...Ceição... Disse o Chico abrindo a porta já correndo.
A Ceição com um chicote na mão foi atrás.
Ele pegou a estradinha decidido a não apanhar da Ceição naquele dia. Olhou pra trás, a viu cada vez mais perto, pois era boa na corrida.
Chico, já com meio palmo de língua pra fora não agüentava mais correr, nisso sua botina saiu do pé fazendo com que ele voltasse para pegar e qual não foi sua surpresa:
A Ceição parou... Ele não acreditou! Olhou bem e viu medo no rosto corado da mulher.
Situação foi invertida:
Chico se encheu de coragem... Calçou a botina batendo os pés no chão, saiu desenfreado na direção dela. Ceição dispara agora de volta rumo a casa deles.
Ceição ia na frente e Chico correndo atrás, estrada afora. Era o dia da caça! Ele encheu-se de alegria, naquela hora ele se sentiu um verdadeiro homem. Aquilo era um milagre! A Ceição estava com medo dele! Logo ele que passou um tempão apanhando calado.
A mulher corria... Chico sentiu algo novo, um impulso o empurrava cada vez mais a correr atrás dela. Ceição nunca lhe parecera tão bela como naquele dia: O vento soltou lhe os cabelos compridos que viviam presos, a saia rodada voava, mostrando as pernas que ele nunca havia visto.
A Ceição era bonita! E ele era o marido dela.
Sentiu-se feliz ao ver a mulher correndo à sua frente gritando:
—Carma Chico! Mi diz o que ocê vai fazê cumigo home? Ieu tava era brincano cocê. Num ia ti batê nada não...
E o Chico feliz da vida, disse fingindo brabeza:
Ceição... Ceição! Hoje ieu te acerto o passo muié. Hoje ocê num vai mi iscapuli de jeito ninhum. Pru mode quê ieu só home macho e brabo dimais da conta! Ocê inda num viu nada, inda num mi cunhece muié. Fique sabeno que hoje ieu quéio e condo ieu quéio,  ieu quéio memo sô!
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