Retorno — Um lamento da desilusão

Retorno — Lamento da desilusão

(Um lamento de desilusão pra quebrar o silêncio do retorno)

Ganhei vida ao ter vivido

Paguei com a vida em dobro

— Trago o rosto carcomido

Pousai vossos olhos rotos

O que vi trouxe comigo

E do que vi resta pouco

Trago a boca ressequida

Tal qual vossas velhas bocas

O que bebi pela vida

Bebestes a vida toda

Provei da mesma bebida

Amarga, triste, não pouca

Trago a cabeça cansada

Oferecei vossos ombros

O que sonhei deu em nada

Ofereço-vos escombros

Vislumbrei galgar escada

Cada degrau foi um tombo

E nos longes dessa estrada

Também me pesou no lombo

O mesmo cabo de enxada

Que caleja vossos ombros

Trago os pés cheios de chaga

Bem que eu quis caminhos outros

Mas voltei na mesma estrada

E o mesmo caminhar torto

Trago o tesouro de nada

Meu tudo foi muito pouco

Trago a lembrança da noite

Que fui pra semear sorte

— Acendei vossas lembranças

Quando parti era forte

Mas deixei de ser criança

Senti medo, vi a morte

Morri de ter esperança

Sem nunca colher tal sorte

Trago a cabeça cansada

Oferecei vossos ombros

O que busquei deu em nada

Ofereço-vos escombros

Vislumbrei galgar escada

Cada degrau foi um tombo

E nos longes dessa estrada

O que me pesou no lombo

Foi o cabo dessa enxada

Que aqui sem ganhar a estrada

Também curvou vossos ombros

São Paulo, 9 de agosto de 1990 (já amanhecendo...)