INTROSPECÇÃO
Carmo Vasconcelos
Preciso ficar a sós comigo,
tocar meus seios, olhar o meu umbigo,
sentir o pulsar do coração…
Atenta, no silêncio escutar a mestria dos órgãos,
e nas veias, o sangue a alimentar
o ritmo da vida…
Preciso medir meu campo de visão,
percepcionar a mente, o raciocínio, a sensação,
a transcendência dum orgasmo a me tomar…
Mirar no gesto, a tela que pinta a minha mão
quando em labor ou em acto de paixão,
ou quando, simplesmente, posta a orar…
Sentir o peso de meus pés a interligar-me
à terra-mãe, ao pó, princípio e fim.
Em tudo o que vibra e canta ao meu ouvido,
em tudo o que estremece o meu sentido,
entendo o poder da Criação!
Ânima, sopro divino, vibração e harmonia,
o clarim de Deus, soando em mim em sincronia!
Na introspecção, percebo o milagre e a beleza
do ser que se irmana ao pulsar da Natureza,
e que a segue, a par, nas estações que se sucedem…
Os primaveris e verdes anos,
a rubra e sensual pujança do verão,
nos ocres outonais… a rendição;
e na estação final… o branco, a invernia
da planta envelhecida, estéril de cor, que em letargia
prepara a gravidez de nova flor.
Preciso olhar o espelho sem gesto que esmoreça,
sem sensação de perda ou retrocesso,
e lúcida, serena, apelar ao siso,
encontrar o meu suporte,
vislumbrando dessa imagem o reverso…
Do outro lado do espelho há vida, há recomeço,
em prosa e verso, em choro e riso…
Há outro despertar pra um mundo ainda imerso
em novas cores, novos rumos, novos céus;
e em mim… de novo há-de soar o clarim de Deus!
Soprando ao meu ouvido um Universo
onde não há morte, onde nada é perdido,
tudo é mutação,
e vida renovada em transição!
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Lisboa/Portugal/2005
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