Índios de cera
Sandra Ravanini
Cai à noite tão faminta e cinzenta e risonha,
despejando a feia fumaça da boca medonha,
no seio doentio dos filhos dessa terra violada,
avivando a fogueira na dança fria e macabra.
O céu, igual ao relento embriagado em ódio,
chora, desbotando a nativa e morta aquarela,
descolorando o corpo do último pele amarela
que morreu infectado pela febre do vil nióbio.
Naquele canto, jaz um índio sólido e branco,
estendendo a sua mortalha para a lua divina,
a criança tristonha vê uma tribo de parafina,
enquanto o lobo-guará, extinto, cai em pranto.
No museu, a irrisão em um espetáculo cruel,
encena-se a vida duma arara-azul de papel,
o amor da seringueira, chora à sangradeira,
e do cachimbo sem paz, ri o cacique de cera.
O pau-rosa asperge o seu aroma sarcástico,
e empalhado no galho o mico-leão-dourado
ouve o sussurro do pálido menino assustado,
orando a Tupã em uma Amazônia de plástico.
08/02/2007