“Eu deixei minha rede lá na sala
e parti com vontade de voltar.”
("Despedida" - Carlos Severiano Cavalcanti)
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Madrugada, inda noite, a Estrela Dalva
a brilhar como sol no firmamento...
Eu parei no portão por um momento
e voltei caminhar sem mais ressalva.
A saudade cravou-me o seu punhal,
vacilei, mas tornei a retomar
a dorida jornada para o mar
sem vontade, talvez, de completá-la.
Eu deixei minha rede lá na sala
e parti com vontade de voltar.
Esse mito invadia o meu pensar
quanto eu mais caminhava: a capital
era a meta, o destino, e era o mal
que tirou-me o refúgio do meu lar.
O meu peito eu senti a palpitar
e segui nesse afã de conquistá-la.
Eu deixei minha rede lá na sala
e parti com vontade de voltar
mas não mais retornei. E o meu cantar
toma o peito e sufoca a minha fala.
Atirei meu casaco sobre a mala,
e me pus novamente a caminhar.
Essa longa jornada para o mar
escondeu do meu rosto o riso, a fala.
Eu deixei minha rede lá na sala
e parti com vontade de voltar.
Precisava, entretanto, trabalhar
pra poder ser alguém, ganhar a vida
e ter mais liberdade. Essa ferida
em minh’alma eu não sei se vai sarar.
Hoje eu vivo saudoso, a meditar
e, se penso na rede, o peito cala.
Eu deixei minha rede lá na sala
e parti com vontade de voltar.
Outra rede me embala em frente ao mar
e do mar ouço um som que acaricia.
Esse mar me roubou, porém, um dia,
o aconchego do lar, o som da rede.
Essa água não mata a minha sede
e a saudade feroz não alivia.
Eu deixei minha rede lá na sala
e parti com vontade de voltar
a comer rapadura e degustar
água fresca, poder saboreá-la
e sentir-lhe a pureza. A minha mala
inda espera, silente, a decisão
de voltar a meu lar, a meu torrão
sob o sol causticante. Mas aqui
fica um pouco de mim. Aqui vivi
outra vida e prendi meu coração.