O RETRATO - soneto

O Retrato

Lílian Maial

Teus olhos mudos, no retrato, me acompanham,

Como a mostrar-me, fogo fátuo, o que morreu.

Por sob o brilho do papel, teus lábios trancam

O meu sorriso, refletido sob o teu.

As mãos imóveis, por tão pouco não me espancam

De solidão, que o teu abraço não é meu.

O peito inerte, fria pedra, de onde emanam

Os evangelhos desse coração ateu.

Doente máquina que ousou prender teu rosto

Nessa moldura que me dá tanto desgosto,

Testemunhando o sofrimento, a fome e a sede.

Quisera um dia ter poder de a destruir

E finalmente libertar-te p’ra partir,

Ou pendurar-me, junto a ti, nessa parede.

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