Ainda assim: Deus.
Por maior que seja nossa tristeza,
por mais profunda que seja nossa amargura,
Ainda assim, não nos cabe renegar a Deus.
Mesmo que a labuta do dia a dia nos mortifique a fé,
mesmo que as frustrações
desmobilizem a nossa esperança,
mesmo assim
é melhor acreditar
na possibilidade de justiça do Criador.
Que nossas afeições não sejam correspondidas,
que nossos amados nos reneguem,
que sintamos a dor da incompreensão,
que não tenhamos o consolo do reconhecimento,
mas que nunca percamos a crença
na possibilidade do infinito amor do Criador.
Que não consigamos compreender,
que nos rebelemos ante a vulnerabilidade do bem,
que julguemos ingênuos
os preceitos de uma sociedade superior,
imaginando ser delírio,
ainda assim
é melhor reconhecermos a própria ignorância,
o nosso limite de saber.
O que toma conhecimento de uma migalha de saber
reconhece antes a própria ignorância.
É justamente essa sensação de não saber
que é mola propulsora na busca pela verdade.
É a busca pela verdade que faz nascer a razão
que é a verdadeira mãe dos justos.
Estar na busca pela afeição divina
é o meio de transformação
do servo em filho de Deus.
O justo é o servo. O sábio é o filho.
E o sábio é aquele
que equilibrou a razão com a emoção.
Saibam, entretanto, que a justiça
só existe em função da misericórdia.
Não fosse assim estaríamos condenados
pelos pecados da nossa ignorância.
Somos escravos das vivências efêmeras
enquanto não ressuscitarmos para a eternidade.
São os espíritos esgotados dos instintos
que almejam a liberdade das virtudes.
A questão é que os desejos de libertação,
antes da possibilidade efetiva,
são pensamento e emoção batizados pelo ideal,
mas só transformados pela realização.
Não é suficiente a idealização, não basta querer,
tem-se que realizar através da experiência.
Então concluo:
Deus é o todo,
e eu ínfima parte que me aproximo de nada.
Deus é o único Pai e eu sou filho
desgarrado pelo orgulho e vaidade.
Deus é o próprio amor em sua origem,
eu sou prisioneiro da impulsividade do ódio.
Deus é justiça viva através de sua lei,
eu sou aprendiz lutando contra minha cegueira.
Deus é o saber por ser a alma da verdade,
eu sou vontade em busca constante.
Deus é paz por ser a alma do equilíbrio,
eu sou guerra por viver no caos do conflito.
Deus é o congregar gerando perfeita harmonia,
eu sou individualidade dissonante.
Deus é ilimitado
e eu sou limite lutando contra a impotência.
Deus é infinita beleza
e eu tento lapidar a minha restrita feiura.
Deus é a certeza de bem
e eu sou dúvida tentando adquirir suficiência.
Necessário é tentar entender Deus,
necessidade que luta com a impossibilidade.
Menos difícil ,talvez, seja senti-lo,
imaginá-lo como visitante
em nosso pródigo coração.
Descobri-lo na solidão de nossas dores,
sentir seu amparo e sua silenciosa consolação.
Tê-lo como divino remédio
que anestesia as mais profundas feridas da alma.
Tê-lo como oásis de águas benditas
que saneiam as dúvidas e a sede por justiça.
Reconhecendo toda minha falta de saber,
mas perseverando na esperança de entendimento.
Mergulhando o olhar
no romper das sagradas auroras,
enchendo-se de respeitoso silêncio,
Conversando pela oração que nasce no peito,
pela prece que ilumina os olhos umedecidos.
Sonhando com o dia
em que o velho servo reconhece a sua origem
e o seu destino de ser filho.