Lord Cão e o Urubu Cinzento

LORDE CÃO E O URUBU CINZENTO


Era uma vez um cachorro de rua, grande, muito fiel e valente, que era muito querido pelas crianças e por todos os animais pois, além de ser amigo de todos, tinha também um grande coração e muito senso de justiça.

 

Se alguém estava em dificuldades, sofrendo ou em apuros, lá vinha ele, todo solícito para ajudar. Seus amigos, para brincarem com ele, o chamavam de  “o defensor dos frascos e comprimidos”.

 

Lorde era seu nome e lhe fora dado por ser também um nome ligado à nobreza. Era o que ele era: um lorde.  Não deixava ninguém sofrer ou ser humilhado na sua frente.  Não importava a cor, raça, religião, idade; se precisassem de ajuda, Lorde estava lá.

 

Um dia, Lorde fazia sua caminhada matinal, quando escutou um burburinho:

 

_ Pega, pega, morde ele, pega!

 

Olhou melhor e viu ao longe, debaixo de uma árvore, uma cachorrada que se debatia em busca de algo que ele ainda não sabia o que era.

Chegou perto e perguntou:

 

_ Ei, amigos! O que está acontecendo? Quem vocês querem pegar?

 

O chefão do grupo olhou para ele e disse raivoso:

 

_ Não perturbe companheiro, não vês que estamos caçando um urubu?

 

E Lorde perguntou:

 

_ Mas por que vocês o caçam? Que mal lhes fez o bichinho?

 

Diante desta pergunta, toda cachorrada caiu na risada e o chefe disse:

 

_ Bichinho? Como ousas chamar esse animal feio e fedido de “bichinho”?

 

E Lorde respondeu:

 

_É um bichinho igual a todos nós que tem vida e não merece ser maltratado!

 

E o chefe respondeu:

 

_ Engana-te! Esse filhote de urubu não serve para nada e por isso vamos matá-lo!

 

Escutando isto, Lorde arrepiou seu pescoço, sentiu o coração gelar e a língua salivar. Haviam lhe ferido os princípios de bondade. Mostrou os dentes e rosnou para todos:

 

_ Afastem-se imediatamente deste filhote de urubu, senão eu vou bater em vocês!

 

A expressão de raiva e indignação de Lorde, nestes momentos, era tão intensa que alguns cachorros já corriam dali amedrontados. Os outros, que ousavam lhe enfrentar, sempre levaram a pior; apanhavam e escapavam latindo e com os rabos entre as pernas.

 

Lorde foi então socorrer o bichinho que jazia, ferido e amedrontado, num cantinho perto da árvore.  Percebeu que se tratava de um urubu de cor cinza e que tinha uma pinta preta em sua cauda. Perguntou-lhe pelos pais e este lhe contou a triste história: aqueles cães malvados os haviam matado e, desde então, ele ficara órfão e desamparado.

 

Lorde, que era um cão de bons sentimentos e bons princípios, muito se comoveu com aquela triste história e prometeu cuidar do pobre urubuzinho até que ele pudesse voar e se cuidar sozinho.

 

Fez um ninho para ele naquela árvore e todos os dias levava-lhe comida, água, contava-lhe histórias, dava-lhe carinho e protegia-lhe de outros animais maldosos. Todos os dias, quando ele ia chegando perto da árvore, cantava:

 

_ Ó urubu cinzento, da pinta preta na cauda ...

 

E lá vinha o urubuzinho saltitante e feliz abraçar aquele cachorrão amigo que tanto lhe cuidava.

 

Com Lorde, o urubuzinho também aprendeu a ser leal, generoso e defensor dos mais fracos.  Uma grande amizade se consolidou entre os dois e o tempo foi passando, passando, até que Lorde envelheceu e já não tinha mais forças para se defender.

 

Porém, o urubu cinzento, que estava agora forte e crescido, havia aprendido a ser valente e corajoso como o cachorro. Disse ao amigo:


_ Meu amigo, agora é a minha vez de cuidar de você. Vou lhe trazer todos os dias água e comida e sempre que você se sentir sozinho ou em dificuldades, é só cantar:

 

_Ó urubu cinzento, da pinta preta na cauda ...

 

E assim foram passando os dias e sempre que Lorde se sentia solitário, com fome ou com medo, cantava:

 

_ Ó Urubu cinzento, da pinta preta na cauda...

 

E lá vinha o urubu voando a toda velocidade para atender ao amigo e defender-lhe dos cães de rua ou de crianças más que o queriam maltratar. Bicava os cães, bicava as orelhas das crianças más e sempre salvava seu amigo querido.

 

Um dia, porém, o urubu cinzento teve que voar mais longe para buscar uma planta medicinal para dar ao seu amigo que estava muito doente. Aproveitando a ausência dele, os cães malvados e covardes da vizinhança resolveram atacar o pobre cachorro doente. Lorde se debatia, lutava ainda com a pouca força que lhe restava, mas não podia fazer muito, pois estava muito enfraquecido e mal podia andar. Começou a cantar:

 

_ Ó urubu cinzento, da pinta preta na cauda ... (BIS)

 

O urubu que estava muito longe, ainda assim escutou o lamento de seu amigo e voou, voou, voou.... o mais rápido que conseguiu. Quem olhava no céu achava que se tratava de um cometa ou de um raio. Voou, voou e, finalmente, conseguiu chegar onde estava seu amigo.

 

Os cachorros ao sentirem a presença do urubu, fugiram covardemente, mas assim mesmo, o urubu, ainda os bicou muito e deu-lhes uma grande sova.

 

Quando foi dar o remédio ao seu amigo, notou que este já estava morrendo.  O urubu cinzento chorou, chorou, chorou .... E o cachorrão lhe disse as últimas palavras:

 

_ Amigo, meu último desejo é que você me jogue lá no fundo do rio. E quando o vento der e a correnteza passar, aguce seus ouvidos, pois estarei cantando pra você.

 

E foi assim que o urubu fez. Arrastou o corpo inerte de Lorde e o jogou lá no fundo do rio. Depois foi a um jardim e colheu um monte de flores, as mais belas que tinha encontrado. Voou e jogou-as no rio em homenagem ao seu amigo.

 

Sobrevoou o rio e, no momento que estava indo embora, sentiu uma ventania forte em seu rosto  e as águas do rio, em correnteza,  ecoaram:

 

_ Ó urubu cinzento, da pinta preta na cauda ........ obrigado!...

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NB: Obrigada, amigo Rogério Silvério de Farias, pela bela ilustração.