Não quero um amor constante
quero instante e paixão!
Um instinto animal
na entrega ocasional
que anseia por união
união não programada
por isso mais desejada
ansiada por não tida
proibida, censurada
vestida cor de emoção
de preconceito despida
Quero esse tremer de mão
esse sussurro ofegante
esse desejo vibrante
pendente de aquietação
o pensamento ardente
ansiando teu corpo quente
se entregando quase a medo
perdido em meu enredo
qual Julieta e Romeu
Tudo volúpia e segredo
romance ainda não lido
verso ainda não rimado
calvário não percorrido
teu desejo extenuado
dentro em meu corpo vertido
e nesse suor escorrido
pegajoso e molhado
correr meu corpo pelo teu
Quero chamar-te "querido"
em meu urgente chamado
por não ter-te sempre ao lado
como um móvel esquecido
poder dizer "meu amor"
sussurrando ao teu ouvido
jamais ver-te arrefecido
por ser um disco riscado
ou lareira sem calor
Quero este corpo que arde
pelo meu vício impune
enraivecer de ciúme
se não chegas ou vens tarde
para meus lábios beijar
com o teu beijo de lume
quero expiar meu castigo
na ânsia de estar contigo
ao ter de por ti esperar
Quero esse teu corpo-chão
alma-céu em poesia
macieza de colchão
doce cheiro a maresia
que importa a cama vazia
se nela ficas latente
na lembrança que não esquece
na memória viva e quente
no desejo que me aquece
Não quero rotas nem metas
quero esse amor vadio
chorado pelos fadistas
pintado pelos artistas
cantado pelos poetas
trazendo brilho de estrelas
entrando pelas janelas
vaticínio de profetas
acalento e arrepio
Não quero regras nem leis
amor firmado em papéis
em rabiscos abstratos
na frieza dos contratos
mas ler nesse amor um hino
que gritando o verbo amar
faça explodir, rebentar
numa ansiedade cantante
o meu louco coração!
Não quero um amor constante
quero instante e paixão!
Carmo Vasconcelos
(In "Memorando de Fogo")