Seus olhos a seguiam em cada movimento. Cada puxão na corda do poço, cada expressão de esforço em seu rosto. A saia longa de plissado amarrotado e gasto, e a blusa branca de pequenos babados solta sobre o corpo, não deixavam perceber detalhe maior de sua silhueta. Mas seu corpo ainda era muito bonito.
Enquanto ela soltava o laço do balde agora cheio, ele enrolou um cigarro de palha, tão comum aos colonos que habitavam aquelas montanhas. Ela já caminhava em direção à gamela quando ele finalmente deu a primeira tragada. Seu andar estava mais cansado e pendia um pouco devido ao peso que levava, mas ainda carregava o balanço cativante da sensualidade cabocla.
Um tombo no balde, um suspiro. O balançar do pescoço procura a posição confortável enquanto suas mãos corrigem a alça da blusa que deslizara por seu braço. Curvou-se, tomou novamente o balde cheio e o entornou na gamela fazendo com que a água revolvesse o seu fundo.
De longe ele a observava. De longe ele a admirava. Então, lembrou que certa vez amou aquela mulher. Lembrou da época em que partiu a procura de um amanhã que nunca chegou. Lembrou que admirava a solidão da lua e o que lhe falava um de seus amigos boêmios da cidade: “Todo homem, tem uma mulher e um pecado em seu passado”.
Por um momento ela contemplou a água. Observava o reflexo na superfície cristalina. Talvez sequer estivesse ali nesse momento. Antes porém de fechar a porta, lançou seu olhar sobre ele e, docemente, trancou-se.
Ele então assustou-se e passou a mão sobre o cabelo. Ela o havia percebido. Talvez fosse ele o observado. Talvez fosse também a personagem de reflexões noturnas. Talvez, também, tenha toda mulher um homem em seu passado.
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