Sem asas, eu voava pelo céu/ junto aos meus sonhos bons, sem pesadelos./ Não sei o que eu fiz pra merecê-los,/ mas penso que os ganhei como troféu.// É que eu sonhava tudo o que podia:/ o amor, o ódio, a luz, a escuridão.../ um mundo, que coubesse em minha mão,/ e outro que coubesse na cotia.// Sonhava Deus, um poço de bondade,/ pronto a ralhar do céu, quando preciso./ Sonhava construir o paraíso/ num terreno baldio da cidade.// Sonhava um grande amor: uma menina/ de saia branca, solta e pregueada,/ que tão feliz por ser a minha amada,/ já bolinava a alma feminina.// Sonhava um sonho lindo e de verdade,/ feito de amor e riso, e de brinquedos.../ capaz de deixar em paz todos os medos/ e as crendices comuns da minha idade.// Um dia eu acordei não mais criança/ e o sonho deu lugar ao pensamento./ Fatídico tal dia, inda lamento/ não tê-lo excluído da lembrança.// Sem asas já não voo desde então./ Não há terreno baldio na cidade./ Secou-se aquele poço de bondade/ e o mundo já não cabe em minha mão.// Os meus brinquedos, todos, onde estão?/ Nem sei se ainda tenho algum brinquedo!/ Não sei se já é tarde ou se é cedo/ pra imaginar que tudo foi em vão.// Onde será que está minha menina/ de saia branca solta e pregueada?/ Nem sei se ainda sonha acordada,/ a bolinar a alma feminina.// Sem asas só me resta o coração/ aprender a voar, e só então/ compreender que o sonho não termina.