JORGE E EUNICE
(Ivan Siqueira)
Jorge era um malandro do morro
Tomou os dois últimos goles de uma garrafa de cachaça
Beijou os dois filhos pequenos,
Entregou as crianças na casa da vizinha
E desceu o morro.
Era Carnaval.
Caminhando morro abaixo pelas vielas
Jorge olhava o céu de estrelas belas,
E perguntava:
- Eunice, por que você se foi?
Da janela de um barraco a lumiar,
Um morador tenta consolar:
- Sua mulher já morreu, Jorge,
vai com Deus, meu filho,
você tem que se conformar!
Cambaleando, Jorge desceu o morro,
e já se encontra na avenida, sambando.
Olha tudo em volta, todos passam,
só não vê a sua Eunice passando.
Ele era mestre sala da Escola de Samba.
Um dia a multidão o aplaudiu,
Agora, Jorge tossia, tossia...
Olhava pro céu,
ver Eunice era só o que pedia.
E ali, no meio de surdos,
cuícas e tamborins,
Jorge agora encontrava o que queria,
Ela, com apenas 16 anos,
E um amor que já nascia.
No samba, Eunice era sua parceira
Ela era a porta-bandeira!
E Jorge, cada vez mais tossia, tossia,
E olhando para a arquibancada
O trem se aproximava, e ele via:
- Corre, Eunice, corre,
Que o trem vem nessa via!
O corpo estatelado na linha férrea
Foi-se a vida da parceira,
Partiu a porta-bandeira!
Já seis anos sem a companheira, Jorge tossia,
E a multidão, sem saber que Jorge existia,
A multidão o aplaudia!
Na avenida, o samba agora terminado,
Só Jorge andando pelas ruas, cansado,
Deita-se no chão,
Cabeça encostada no meio fio,
Jorge tosse, quando sente um arrepio,
É levado pelas mãos, e, com ela,
Ele samba todo cheio de brio!
- Você voltou, querida,
você voltou pra me buscar!
E a porta-bandeira sorria!
Os olhos de Jorge se fecham,
A vida já não é mais vazia!
E alguém que passa
Coloca sobre o seu corpo um pedaço de pano,
Que tinha tanto brilho,
Que eu acho que era
Uma linda fantasia!
(OUÇA O ÁUDIO)