Ele já tinha desistido.
De vida mais que secular, aguardava pelo nada, empoeirado e esquecido junto às prateleiras daquele antiquário.
Apesar de manter traços da juventude e carregar dentro de si tantas cenas e rostos ainda vivos, entendera estar fadado a estampar apenas seu tempo passado, e por outro lado, aquele ambiente escuro e inóspito não lhe permitia fazer uso de suas propriedades físicas tão essenciais.
Tinha glamour!
Ovalado, vivia aconchegado por embuia nobre, aonde um imenso jardim ainda lhe exalava um tênue perfume do tempo, vindo daquelas florzinhas rebuscadas em estilo "rococó", entalhadas por mãos de exímio artesão.
De tez delicada, trazia algumas manchas senis, porém finamente delineadas por um trabalho "bisotê", a reverenciar sua luta pelo tempo.
Mas ainda tinha memória e dela não abriria mão!
Todas as manhãs, aproveitava-se dos parcos raios de luz que adentravam o antiquário, e refletia em si as luzes do ontem.
E era assim que resistia ao tempo e à saudade.
Porém, jamais soube que nenhuma escuridão é eterna.
Certo dia, percebeu um movimento no antiquário que lhe pareceu uma mudança. E era.
-É esse? alguém perguntou.
-Sim, tira-lhe o pó para que possa ser exposto.
E foi assim que, de repente, percebeu que tinha vida.
Naquela feira de antiguidades, não tardou a ser percebido...
-Ele é lindo!-alguém exclamou.
Imediatamente ganhou luz, e entendeu que o tempo não lhe mudara a essência!
Continuava um fino espelho tcheco de cristal bisotê.
E de lá partiu para a felicidade, para refletir apenas o presente, e sonhar com as reflexões de suas luzes futuras.
Imponente, hoje decora a vida, sobreposto na parede amarela dum lavabo de apartamento...