Eu me dei conta enquanto enganava a solidão dos ventos de setembro
Que apesar dos arrepios sobre a superfície de meu corpo úmido
Não resta outra verdade, tão profundamente esclarecida
Sou uma árvore!
Copada, com exagerado verdume de esperança, florescida e multicor
Não sei como demorei tanto para enxergar tamanha obviedade
A evidência escancarada de cada detalhe
Os pássaros buscando pouso entre os meus ramos
A seiva clara e semilíquida no lugar do sangue
O lenho de meu tórax retorcido entre cipós, coração e sementes
A rigidez dos troncos-membros divididos entre superiores e inferiores
E o intrínseco caule portentoso a me conectar ao chão, num espaço infinito
Jamais me percebi como a própria natureza me forjou, até agora
Este ser sorvedor de fotossínteses sob o terreno de lembranças férteis
Chorando lágrimas de folhas semirrubras durante os outonos de solitude
Ofuscando a alma com os poucos rastros solares a vencerem todo emaranhado
Quem dera eu tivesse visto tamanha riqueza há mais tempo
Poder vicejar poderosas paixões primaveris sem medo de não ser natural
Observar com êxtase o orvalho a escorrer entre os sulcos de minha própria substância
Rir das sanhas infantis de ser adulto, acolher cigarras, formigas e insetos variados
Querer me embaralhar como uma pequena muda no seio da floresta
Sonhar germinações entre as raízes pueris que me dão vida
E envelhecer como uma pujante parte do destino de tudo o que simplesmente há!
Graças a Deus eu sou uma árvore! Que miséria seria ser humano
Ser autodestrutivo incapaz de compreender a grande beleza de pertencer
Um escravo da gana de se preocupar demasiadamente com o ego de ser homem
Agora que me vi, apenas quero poder crescer, útil a um pedaço de mundo que me ame totalmente
Ser algo verdadeiramente significativo e quase eterno
Uma parte do universo de sonhos que sempre tive
Finalmente plantado em uma realidade que me convença do quanto vale a pena existir.