CAUSA MORTIS: INDIFERENÇA.
Anteontem faleceu em Salvador-BA a recepcionista Viviane Brito Barbosa, 29 anos, estudante de pedagogia e mãe de dois filhos, uma menina de 9 anos e um menino de 5 anos. A causa da morte: indiferença. Viviane, que era portadora de asma, faleceu após ter negada a compra de seu remédio, durante uma crise, em razão de ter trazido à Farmácia apenas R$ 12,00 (doze Reais), quando o medicamento custava R$ 22,00 (vinte e dois Reais). O padrasto de Viviane, que a acompanhava, havia esquecido a carteira, oferecendo o documento de seu veículo como garantidor do seu retorno para completar os R$ 10,00 (dez Reais) restantes, o que não foi aceito pelos vendedores da Farmácia. No caminho, em busca de atendimento médico, Viviane desmaiou e sofreu uma parada cardíaca, falecendo antes que chegasse ao hospital.
Esta é uma notícia chocante e real, mas não é propriamente um fato único ou singular. Os funcionários da farmácia podem ser taxados de desumanos, cruéis ou insensíveis, sem dúvida. Porém, antes de sentirmos a correta indignação contra sua atitude, devemos lembrar que somos igualmente desumanos, cruéis e insensíveis, eis que, assim como os vendedores ignoraram os apelos de Viviane, todos os dias ignoramos pelo menos uma dezena de pessoas que vivem sob o mal da miséria, tentando nos convencer a todo tempo que não podemos ajudá-los. O que muda em relação a nossa história cotidiana é que não há quem acompanhe e narre a tragédia dessas pessoas após a nossa indiferença.
Viviane faleceu porque aqueles que estavam na Farmácia não admitiram esperar e confiar na complementação do valor do remédio, o que é humanamente inaceitável. Contudo, outras tantas pessoas sequer poderiam pagar parte do valor, e mesmo que pudessem pagar a mencionada parte, morreriam da mesma forma.
É o triste retrato da sociedade brasileira. O que nos deve incomodar não é a questão de ter ou não o dinheiro, de poder ou não comprar ou o dilema de ser generoso ou não. A lição que nos deve incomodar na história de Viviane e de tantas outras em nosso cotidiano é a indiferença que cultuamos uns com os outros. É olhar, mas não ver; ouvir, mas não escutar; dizer que se importa e não fazer nada para mudar. Os grandes absurdos da cultura humana foram produzidos pela indiferença e pelo preconceito, dividindo as pessoas em grupos, classes, castas, etc., quando desde sempre fomos e somos humanos.
Assim como hoje em dia as pessoas vem com olhos estupefatos para o passado escravocrata, abominando-o; da mesma forma que há indignação quando na história aprendemos que já foi parte da cultura social o sacrifício de seres humanos, em razão de suas deficiências físicas, em razão de seu sexo ou em razão de sua nacionalidade; Um dia as pessoas não compreenderão como podíamos conviver com tanta indiferença e desumanidade.
Artigo escrito em 15 de dezembro de 2007 com base em notícia publicada no Jornal do Comércio, Recife, 15 de dezembro de 2007, sábado, pág. 9.