UM GRITO MUDO SOBRE O PASSADO... A ABOLIÇÃO DA PRIMEIRA DAMA DO TEATRO PARANAENSE.

...Um grito mudo sobre o passado...

...A Abolição da Primeira Dama do Teatro Paranaense...

De Abilio Machado.

A escravidão era um grande problema social da América no século em que a tortura e maus tratos aos irmãos providos de cor mais densa, trazidos à força, acorrentados em porões, amontoados e com rações individuais escassas. No caso do Brasil a situação tornava-se difícil, os intelectuais reconheciam que a escravidão era injusta e prejudicial, mas como um todo era base da economia nacional e por isso fechavam os olhos para tornar tudo aceitável.

Sua institucionalização foi sempre combatida, vezes mais e outras menos, um primeiro golpe foi a extinção do tráfico, lei de Eusébio de Queiroz (vale lembrar que é o nome do ministro que a fez passar e não de seu redator), assim ficava proibido o comércio de escravos com a África. Quer dizer era proibida a introdução de escravos e não a comercialização dentro do território brasileiro. Começa então um leve declínio à população de escravos, fazendo a necessidade da procura e captura de índios para manter a cota necessária às lavouras, plantações e transporte ou escoamento da carga pesada da produção.

Esse declínio além da proibição trazia novo fato que era que em tempos alguns escravos eram libertos motivados pela amizade e algumas circunstâncias especiais.

Mas, prosseguia a escravidão e cresciam os protestos. Sentia-se que existia um reconhecimento de que era necessária e ao mesmo tempo degradante a situação. O próprio Imperador dizia-se contra, mas tal possibilidade seria apenas quando surgisse um governo abolicionista, fato que aconteceu em 1871 com a Lei do Ventre-Livre, obra do gabinete chefiado pelo Visconde do Rio Branco, conservador abolicionista, sendo Regente D. Isabel. Foi a lei que deu um golpe de morte na escravidão, pois todo o nascido não seria mais escravo, com a proibição da entrada, na visão destes bastaria a morte do último e tudo estaria acabado, sem falar nas cartas de alforrias...

Devido a grande quantidade então de idosos escravos veio a Lei dos Sexagenários que servia como uma espécie de aposentadoria e que fazem surgir as pequenas vilas chamadas de quilombolas . Nesta altura os únicos defensores da escravidão eram os fazendeiros, pois poetas, escritores, professores, sociólogos, alguns políticos e jovens agitadores formadores de opinião mexiam com a visão pública, no começo por heroísmos nas fugas audaciosas que desfalcavam os grandes latifúndios, na criação de rotas de fuga auxiliado por índios que tão bem conheciam as matas, ou seja, pelas manifestações públicas de descontentamento com a situação escravista.

Às vezes aconteciam coisas curiosas, como a de um rapaz de Itabira (Minas Gerais) que recém formado, abolicionista ardoroso, casou-se com a filha de uma rica fazendeira, dona de muitos escravos. Na hora do casamento, na Casa Grande, cheia de gente, o noivo tira a casaca, coloca no chão diante da sogra e ajoelha-se aí para espanto de todos e da sogra.

__Minha sogra quero pedir-lhe um presente de noivado.

A senhora, toda comovida pelo gesto do jovem ajoelhar-se à sua frente disse:

__Bem sabe que é do meu agrado, peça-me qualquer coisa que eu cumprirei.

E ele disse rápido:

__Eu peço a libertação de todos os seus escravos!

Por ocasião do jubileu do Papa Leão XIII, muitos alforriaram seus escravos em homenagem ao pontífice que dedicou uma Encíclica aos brasileiros pelo fato.

Houve inclusive um incentivo do Imperador que oferecia o mérito da Ordem da Rosa a todas as pessoas que libertassem seus escravos. Registros afirmam que o Correio Imperial, espécie de informativo impresso pelos filhos da Princesa Isabel era abolicionista, pois o mestre de ensino dos garotos era o engenheiro André Rebouças, um dos primeiros negros em destaque no país.

O caso chamado escravidão estava com os dias contados, a manifestação crescia e enquanto o Imperador se encontrava doente na Europa, Dona Princesa Isabel ficara como regente, iniciou-se uma crise, o Barão de Cotegipe sai da Presidência do conselho e como ela não podia governar só procurou no mesmo partido (o Conservador), de maneira ousada, outro abolicionista João Alfredo Correia de Oliveira. Este faz passar a lei, LEI ÁUREA que foi de pronto sancionada pela Princesa.

Era este dia, um domingo festivo onde se comemora a primeira aparição de Nossa Senhora de Fátima, dia 13 de maio, e que até hoje deve ser a mais bela data da história da América. Criadora de uma comoção mundial, Dom Pedro II estava em Nápoles e recebeu a notícia no hospital, agonizante, esta e outras notícias o ajudaram na recuperação da saúde, o Papa Leão XIII enviou uma Rosa de Ouro, comenda importantíssima à Princesa Isabel, pelo ato inusitado e corajoso ante as diversidades que assolavam o país.

Citei toda esta pesquisa para falar de uma amiga, que revolucionou e teve sua própria liberdade sobre os palcos do teatro brasileiro:

A primeira dama do teatro paranaense.

Sempre tentando buscar um pouco de sua conquista, pois traçou uma caminhada difícil, ser mulher e atriz e negra, que segundo ela foi difícil, mas toda luta vale a pena.

Aos sete anos de idade Dila pisou no palco pela primeira vez cantando “Quem quiser vatapá”, numa festa do Grupo Xavier da Silva e durante quarenta anos fez no palco sua profissão. Nascida em Curitiba, Odelair Rodrigues da Silva, teve como colegas de Colégio Estadual Ary Fontoura e René Dotti, colegas de teatro naquela época.

Sua primeira peça em que trabalhou chamava-se “Sinhá Moça Chorou”, de Ernani Formari, nela fazia a escrava Balbina junto com os dois amigos que atuavam pintados de negros. Dila me contou sobre estes dias, ao entrarem em cena o público ria sem parar dado à caracterização, mesmo o texto sendo dramático.

Ao longo dos anos reuniu uma vasta coleção de troféus, medalhas e prêmios, onde cada um tem uma história, mas o mais importante a ela foi o primeiro em 1956, quando desempregada, mesmo formada em contabilidade, resolveu trabalhar como doméstica para sobreviver. À noite fazia teatro, representava uma doméstica na peça “A moda através dos tempos” sob a direção de João Glória, no Guairinha. Na peça fazia o papel da doméstica que às escondidas usava as roupas e jóias da patroa para sair, usava estola e jóias verdadeiras, com brilhantes, emprestadas por uma senhora e toda a noite durante a apresentação atravessava o público fingindo ir até o carro que a esperava á frente do teatro, e lá fora tinha de correr para chegar à porta dos fundos do teatro, com mais medo que necessidade, o medo era de que roubassem as jóias no trajeto que fazia para voltar ao palco por fora do espaço. O sacrifício lhe valeu, aos 21 anos de idade ganhava o prêmio “Melhor Atriz do Teatro Paranaense” que provocou comentários dos patrões surpresos ao verem estampada sua fotografia nos principais jornais do estado ao verem a moça que lhes servia o café na manhã.

Assim foi um espetáculo atrás do outro... E no surgimento da televisão no Paraná, passou a trabalhar em novelas, que aconteciam ao vivo e que mostravam a versatilidade do ator, veio “ Mamãe Dolores” de “ O direito de nascer”, que comoveu milhares de curitibanos na década de 60, que acompanhavam o drama pela TV Paraná, canal 06, da antiga TV Tupi, com esta personagem Dila ganhou oTroféu Curumim, símbolo da televisão.

Além de novelas participava de programas humorísticos formando dupla com Ary Fontoura, Mudou-se por pouco tempo ao Rio e retornou rapidamente devido a não adaptação da família... Quero salientar as últimas vezes que vi Dila em cena e a última vez que conversamos.

A última vez que a vi, em cena, Dila estava em uma cadeira de rodas, e fazia sua entrada na contra luz do jardim para dentro, uma visão estonteante e sua presença durante o conturbado jantar deixava marcações ao clima do espetáculo “Um unicórnio no jardim” contracenando com outros amigos meus Adriano Butschardt e Élder Datri, dirigido pelo Edson Bueno.

Outra noite marcante foi nosso reencontro depois de tantos anos, não a via desde que fiz um curso no antigo FITAP e vez ou outra Dila entrava nas aulas para observar. E fazia eu agora parte de um grupo de atores que fundavam o Espaço Cultural Odelair Rodrigues e não tardou a ela aparecer, não sabia que me reconheceria, mas ao nos vermos ela deu aquele largo sorriso e falou:

__ Campo Largo você por aqui...

Minha esposa e alguns colegas perceberam a emoção que nosso abraço e a euforia da foto perdida nos causou. Conversamos por breve instante dado que a noite era sua, pois desde que seu primeiro teatro depois do incêndio jamais foi restaurado, esse monstro do teatro paranaense ganhava uma homenagem que deve perdurar por muito e muito tempo. Fizemos promessas de nos reunirmos para conversar, mas o destino a todos é causador de surpresas, Dila faleceu logo depois, deixando saudades a mim e a muitos outros.