O PRODUTO DO MEIO
Aos dezessete anos minha turma decidiu escrever um jornal. Chamava-se “O Produto do Meio” e era de no máximo duas folhas A4, mimeografadas com um estêncil “roxo-apagado”, quase ilegível.
Cobrava-se cinqüenta centavos o exemplar, que dava para pagar o serviço da gráfica. O conteúdo continha as “manotas” que os membros da turma davam (dar manota=pagar um mico). Causavam longas risadas e a pior era comentada em verso e prosa, por um longo período de mais ou menos uma semana, quando saiam as novas.
O que nós não éramos capazes de perceber, àquela época, é que além das risadas o “Produto” tinha uma função especial, feita de forma genial: depois de lido, costumávamos guardar o “despertino” debaixo do travesseiro, para as mães lerem e ficarem sabendo dos caminhos trilhados pelos filhos.
Naquela época poucos eram os filhos que gritavam com os pais ou faziam queixas. Nós os marginalizávamos, por não aceitarmos tal comportamento.
O que mais nos alegrava era vermos as famílias vizinhas reunidas na calçada, após o jantar, num papo, que muito mais que uma distração servia para vigiar seus rebentos e principalmente, trocar experiências necessárias para o dia a dia.
Mas desde aqueles tempos maravilhosos, família e amigos compunham um meio social, sem máscaras cerradas. Havia uma cumplicidade transparente, que nos fazia um produto do meio, daí o nome do jornal.
No nosso tempo de adolescência, enchíamos um copo de Coca Cola com um dedinho de rum com muito gelo, que nem tomávamos, pois temíamos perder o controle na hora da dança, que nem era muito coladinha, mas fazia o coração pular, como se quisesse sair pela boca.
Dormíamos sonhando com o perfume deixado pelas moças em nossas roupas e o reencontro servia para falarmos da festa e do efeito do perfume, o que as deixava ruborizadas e felizes.
Nossas grandes aventuras eram conseguidas com passeios de Vemaguete na Lagoa da Pampulha, trocando papos sobre a festa de debutante das fulanas. Traçávamos planos de abordagem das moçoilas e sobre quem tinha mais chance de ficar... Namorado, é lógico!
A turma de hoje é criada por pais que “tentando a subida desceram, e agora dariam um milhão”, para formar novamente um filho bom. Procuram celularizá-los, comprar-lhes tênis e roupas charmosas, apelativas, para fingirem riqueza, competência, poder dos pais.
E os coitados nem sabem dançar, não sabem conquistar, não têm educação sexual, só sabem “transar” e jamais terão o prazer de um papo gostoso em passeios de carro, pois o volume do toca-tudo é tão grande, que só se ouve o tuchistum.
Carinho? Só nas festas comerciais. Na maioria dos casos, o carinho será retribuição após o recebimento de algo precioso, indispensável à formação da burrice corrente, para a alegria da mídia formadora de compradores compulsivos, magricelas anêmicas e boys alcoólatras, dependentes de drogas, para fugirem ao medo que têm de errar no sexo.
Não sou saudosista. Tenho preocupações com um mundo não resolvido, falso, com pessoas que têm medo de não comerem da bóia que sobra aos paus mandados, que nem sequer ousam pensar.
Os do meu tempo continuarão românticos, a crer que ainda podemos rir, dançar, amar, errar e tornar a buscar o que é certo, nunca o que é convencional, fácil, sem lógica.
Esperamos poder convencer aos que pensam diferente, que a vida é bastante boa, embora trabalhosa, por vezes cansativa, mas cheia de chances e descobertas.
Isto nos dá alegria e nos faz feliz.
O que não podemos esquecer, é que afinal todos somos produtos do meio.
De qual você emergiu?
O que faz para mudar aquilo que não gosta?
Por favor, não se acomode! Lute!
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Marcio Funghi de Salles Barbosa
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