A HIERARQUIZAÇÃO HUMANA

Hierarquizar, em se tratando de seres humanos, é estabelecer uma relação de poder entre os atores envolvidos. Na prática, significa a expressão da desigualdade porque estabelece um nível de domínio de uns sobre outros.

A hierarquia militar, a versão mais proeminente de escalonamento funcional, por ser uma relação assaz cultuada e mantida através de um simbolismo diuturno, tem uma função organizativa dentro das corporações castrenses (adjetivo designativo do que é militar: referente ao latim que falavam os soldados romanos). É o escalonamento dos cargos e das funções que possibilita a disciplina das atividades militares para um funcionamento eficiente. Contudo, esse escalonamento costuma ultrapassar as fronteiras do profissionalismo para atingir o plano humano entre os militares.

As relações interpessoais entre os militares costumam pautar pela diferença hierárquica: o “subordinado” deverá ter sempre um comportamento de “inferior” em qualquer situação dentro ou fora da profissão. Da mesma forma, o “superior” sempre se comportará como alguém que está acima do “subordinado” em todos os sentidos. Entre os militares há normas que prevêem, por exemplo, que um “subordinado” quando em viagem de ônibus tem por dever ceder seu lugar ao seu “superior” que estiver viajando de pé, independente de estarem em serviço ou não.

Não pretendemos questionar a hierarquia enquanto sistema de organização. Ela é necessária dentro de qualquer instituição. Sunt Zu, no livro “Arte da Guerra”, escrito há mais de 2500 anos, ressaltava a necessidade de organização para o enfrentamento na guerra, com um pensamento que permanece atual, inclusive, para a realização no campo pessoal ou profissional: “(...) aquele que conhece o inimigo e a si mesmo, lutará cem batalhas sem perigo de derrota; para aquele que não conhece o inimigo, mas conhece a si mesmo, as chances para a vitória ou para a derrota serão iguais; aquele que não conhece nem o inimigo e nem a si próprio, será derrotado em todas as batalhas”. Se transpusermos esse pensamento para ser aplicado no plano pessoal ou em outra área profissional, devemos substituir, pois, o termo inimigo por “obstáculo”.

O mestre chinês ressalta, obviamente, a importância da hierarquia no seio de uma tropa militar pronta para o combate. Não era de se esperar o contrário. O que se questiona, entretanto, é a expansão desse escalonamento para as relações pessoais: em algumas instituições militares é comum encontrar banheiros distintos para soldados, cabos, sargentos e oficiais. Uma indagação simples colocaria essa estrutura em questionamento: o que um soldado faz no banheiro é diferente do que faz um oficial? A hierarquia exacerbada é a mais pura manifestação de autoritarismo.

Alguém poderia questionar sobre a hierarquia que existe em outras instituições, inclusive em empresas privadas, que muitas vezes são tão rigorosas quanto às militares. O fato é que há uma tendência autoritária na maioria das culturas. O ser humano, em virtude da sua necessidade gregária e das relações sociais que mantém, naturalmente desenvolve um sentimento de inferioridade, de insegurança (o grau de desenvolvimento desse sentimento varia de pessoa para pessoa). E, em virtude disto, há uma constante busca de auto-afirmação; a forma mais evidente de busca de auto-afirmação é o autoritarismo, que nada mais é do que uma conduta humana calcada na idéia de que é preciso existir quem é superior e quem é inferior, quem manda e quem é mandado, quem domina e quem é dominado.