A PRISÃO DOS PÁSSAROS E O DESEJO DE PODER DE QUEM OS PRENDE

Certa vez ouvi um homem comentar que pássaros criados em cativeiro “vivem melhor” que os que estão em liberdade porque se alimentam melhor e com abundância. O comentário, obviamente, era de um criador de pássaros.

A justificativa apresentada na fala citada não leva em conta a liberdade do animal, a sua integração com a natureza e a sua função dentro do ecossistema. É uma tentativa de persuadir um interlocutor de que tal prática não é algo censurável. Mas, por que seres humanos sentem prazer em manter prisioneiros animais inofensivos?

Alguns justificariam essa prática como simples hobby e que os pássaros são seres ornamentais que transmitem alegria com seus cantos e suas cores. Contudo, acreditamos que essa resposta é insuficiente: há muito mais que um simples passatempo por trás disto.

Cumpre-nos esclarecer que a definição de pássaros aqui apresentada é aquela existente sob o ponto vista do senso comum, ou seja, inclui as aves de um modo geral (papagaios, periquitos, araras, tucanos, etc.) e não apenas as espécies pertencentes à Ordem dos Passeriformes.

Dentre os vários motivos que temos para não prender os pássaros há um bem simples e objetivo: quando um pássaro faz um pequeno deslocamento voando, ele movimenta todos os músculos do seu corpo inúmeras vezes, conseqüentemente se submete a um rigoroso consumo de energia, cujo organismo foi naturalmente projetado para tal.

Destarte, a prisão de um pássaro agride toda a sua estrutura orgânica, sem falar no prejuízo para o ecossistema de onde ele foi tirado. A retirada de um pássaro do seu habitat natural não envolve apenas o sentimentalismo e o romantismo de pessoas que adora vê-los voando livres, envolve, sobretudo, questões ambientais sérias.

Mas, retomando a pergunta feita no segundo parágrafo deste texto, vemos um outro lado embutido nessa prática. Primeiro precisamos aceitar que essa prática é um ato cultural: é algo aprendido a partir da convivência social; porém, o ponto principal dessa questão, no nosso entendimento, chama-se “poder”.

Quem cria um pássaro em cativeiro exerce, inconscientemente, o desejo de se apropriar de um ser vivo como se objeto fosse, e dele utilizar a bel-prazer. Não conseguimos vislumbrar o prazer de manter pássaros aprisionados sem um viés autoritário, e até de perversão. A ausência de liberdade do pássaro sequer é considerada. Há situações ainda piores: são conhecidos os casos de pessoas que vazam os olhos de pássaros-pretos (melros) e sabiás para que eles cantem a todo momento em que não estejam se alimentando ou dormindo; o canto melodioso, neste caso, é o que importa, o porquê do canto, a dor do animal, não têm importância para o seu “dono”.

O ato de manter pássaros aprisionados simbolizaria, em tese, a manifestação do desejo de parecer forte, de dominar, de exercer o poder sobre outros seres e se deleitar com a posse sobre eles. Certamente, também era esse o sentimento dos escravocratas em relação aos seres humanos que mantinham sob seus domínios, tratados como objetos de uso.