RUMO A SANTA CRUZ DE LA SIERRA
Santa Cruz de La Sierra, um dos nove departamentos (Estados) que formam com suas províncias (Municípios) a nação boliviana, é o mais importante e sua cidade, Santa Cruz, quase tão antiga quando o Brasil, é a principal daquele país. Seus mais de 1 milhão e 200 mil habitantes foram às urnas para referendar o “Estatuto Autonómico.” Esse estatuto dará autonomia política e administrativa ao Departamento de Santa Cruz de La Sierra. O referendo realizado nesse domingo e suas causas históricas e seus significados,está provocando curtos circuitos na grande imprensa brasileira. Parece que redatores,pauteiros,editores e repórteres não estão entendendo absolutamente nada do que se passa na Bolívia. Que não seja por ignorância, então, pois mais parece por desinteresse. Uns tratam “el movimiento autonómico” como se fosse separatismo, outros como se fosse uma luta por independência, outros como nenhuma dessas coisas e ainda outros passam por cima da notícia com a mesma rapidez de um raio. A TVGlobo quase ignorou o importante assunto; a TVRecord foi eficiente. Mandou pra lá o Rodrigo Viana – aquele ex-Globo que denunciou a manipulação dos Marinhos nos noticiários da emissora durante as últimas eleições presidenciais, os aloprados, os dossiês, as propinas, as fraudes, fotos de pilha de dinheiro, etc, como certamente todos se lembram; foi demitido e agora está cada dia melhor. Os jornais reproduziram os textos das agências de notícias. A questão boliviana é mais grave do que se pensa e é revelada por essa banda da América latina. Evo Morales, com o apoio do “Movimento al Socialismo” - MAS e seu projeto de uma “Bolívia andina” criou condições especiais para as etnias indígenas, entre elas os aymarás, a qual ele pertence – Juan Evo Morales Aymá.
Assim dividiu o país entre indígenas, que são 65%, e branco-europeus que são 20%. Esses, porém, detêm a maior parte da riqueza privada do país. As indústrias, os grandes estabelecimentos comerciais e de serviços. Quem faz o PIB boliviano são eles, os branco-europeus e as empresas que o Evo Morales está estatizando, onde ocupam lugares de destaque.
A “Constitucion Política del Estado” permite que se façam referendos para tornar departamentos, se assim desejarem, autônomos. Como existe em outros países, na Espanha, por exemplo.
Santa Cruz de La Sierra, é o Departamento mais importante, economicamente, da Bolívia pois responde por mais de 30% do PIB, e é o centro educacional do país com mais de 15 universidades; grosso modo é o que São Paulo representa para o Brasil. Tornando-se autônomo, de acordo com o “Estatuto Autonómico” já anteriormente aprovado, as receitas financeiras e econômicas serão administradas por eles, e não mais pelo poder central; o exercito e a Constituição e o aparato federal continuarão, porém, sendo únicos para toda a nação boliviana. Ainda grosso modo, será como nos EEUU, onde os Estados têm suas próprias leis, suas forças policiais, seus tribunais e outros detalhes singulares. Porém, muitas dúvidas ainda persistem nessa mudança; primeiro porque, para implantar o estado autônomo, o poder central tem que concordar e o tornar legal. E isso parece que não vai acontecer com tranqüilidade. Segundo, em junho, outros três Departamentos também irão pedir ao povo que decidam sobre suas autonomias; e o povo dirá sim, certamente. Esses Departamentos, Tarija, Beni e Pando, estão todos na mesma região de Santa Cruz de La Sierra e os Governadores desses Departamentos autônomos pedirão ao povo, mais tarde, a independência da Bolívia para criar outro País. Esse sim, é um antigo sentimento popular e das lideranças daquela região acalentado a mais de 100 anos, mas que os governos passados mantiveram todos unidos numa mesma Nação. Governos e as lideranças da minoria branco-européia que tem força e influência nacionais e que agora incentivam e garantem o Governo centralizador de Evo Morales. De um lado o discurso político ideológico do MAS e de outro lado o poder econômico de uma elite que se beneficia até mesmo dos lucros das empresas estatizadas. Evo Morales não vai conseguir manter a unidade nacional e terá de negociar com os autônomos, fazer concessões e garantir a Constituição. Se não, irá dividir o País acreditando estar unindo-o.
Para nós brasileiros resta uma grande preocupação. O gás consumido em São Paulo e de lá distribuído para toda a região sul, sai de Santa Cruz de La Sierra e é transportado por um gasoduto de mais de 3 mil quilômetros de extensão, sendo que 2 mil e 500 quilômetros estão em território brasileiro, passando por Campo Grande, São Paulo, Curitiba e Canoas, seu ponto final. A área por onde ele passa, mais de 130 municípios, consome 75% da energia brasileira e é responsável por 82% de a nossa produção industrial; ou seja: 75% do PIB As torneiras, porém, estão lá; em Santa Cruz de La Sierra. Esse gás é a energia que movimenta mais da metade das industrias da mais industrializada região do Brasil. Um conflito, mesmo que não seja armado, naquela região, entre os interesses dos Departamentos Autônomos, que serão os gestores de toda a economia e o Governo Central, que não abrirá mão da empresas estatais dos hidrocarbonetos, certamente afetará a economia brasileira. Recentemente Evo Morales decidiu nacionalizar esse setor da economia boliviana sem nenhuma prévia consulta ao governo brasileiro, seu principal consumidor – compramos 40% do que a Bolívia exporta - quem não lembra? Os Paises participantes do Fórum de São Paulo são de toda a América Latina, única exceção é a Colômbia, todavia são unidos apenas ideologicamente. Quando tratam das questões econômicas de seus países são Capitalistas de Estado.
A idéia separatista, ou de autonomia, varreu o Brasil após a Independência de Portugal, e até mesmo antes, com a Inconfidência Mineira. No caso mineiro porém, ainda não havia a idéia de nação brasileira. Mas, com a independência deveríamos ser uma República, porém continuamos sendo um Império entre repúblicas. Tardiamente fomos a última República proclamada e a última escravatura abolida no continente americano. Entre todos os movimentos ocorridos durante os 67 anos de Monarquia – dois imperadores, uma guerra (estúpida como todas as guerras, mas a contra o Paraguai foi também cretina), vários distúrbios, abolição da escravatura, a chegada dos primeiros imigrantes italianos para substituir a mão de obra escrava negra e seis revoluções - a dos Farroupilhas no Rio Grande do Sul, foi a mais longa, mas, nem por isso foi vencedora. Nada abalou o Império. Aparte detalhes e divergências históricas entre historiadores, e razões próprias de cada movimento, o que os Gaúchos queriam era um estado independente, autônomo, dentro do Império do Brasil, como querem os “cruzenhos” na Bolívia republicana. Outros detalhes nos aproximam, gaúchos e bolivianos; nossas bandeiras têm as mesmas cores e no mesmo formato. Basta colocar o vermelho entre o verde e o amarelo em sentido perpendicular e a bandeira será a do Rio Grande;e ao contrário, a da Bolívia. Até o brasão central se parece, visto de relance. E por nossa posição geográfica e por nossa história, gaúchos sim, brasileiros por opção, temos intimidades culturais nada portuguesas. Pessoalmente me ligo a Bolívia por simpatia cultural e pelo “velho trem que atravessa o pantanal rumo a Santa Cruz de La Sierra” dirigido por Almir Sater, conhecido rápido por um tempo curto de há muito tempo.
No mas, é prestar mais atenção ao Brasil Oeste, que é a nossa parte sul-americana, andina pela Amazônia, guaranítica pelo pantanal, de onde vem 1/4 da energia que gera a economia do Brasil português do litoral. Nada, nem ninguém, garantem que esse belo, forte e impávido colosso de hoje, para o futuro, espelhará essa grandeza. Por razões atávicas, prefiro que “sirvam nossas façanhas de modelo a toda a terra”. Como um aviso; por precaução.