Um dos melhores filmes de Charles Chaplin - Monsieur Verdoux
Charles Chaplin notabilizou-se como um dos mais fabulosos artistas do século XX, atuando como ator, diretor, autor, roteirista ou compositor de trilhas sonoras de seus filmes. Imortalizou-se juntamente com seu notável personagem O Vagabundo, que no Brasil ficou conhecido como Carlitos. Seus filmes foram apreciados e aplaudidos por incontáveis gerações e ainda são até os dias de hoje. Falar em um dos seus melhores filmes é quase uma redundância. Muitos deles estão nas listas dos melhores de todos os tempos.
No entanto, há um que normalmente não é citado, sendo até considerado como uma obra menor dentro da filmografia desse gênio do cinema: Monsieur Verdoux.
Lançado em 1947, dois anos depois do término da Segunda Guerra Mundial, quando as feridas do grande conflito ainda não se encontravam devidamente cicatrizados, esse filme é absolutamente destoante de tudo que Chaplin fizera até então.
Ele que se consagrara como o doce vagabundo e que fizera o mundo sorrir com suas comédias desde 1914, quando participou de seus primeiros filmes mudos, nesse Monsieur Verdoux, o Vagabundo foi substituído por um assassino em série, um homem frio e capaz de matar sem qualquer tipo de culpa ou remorso, escolhendo suas vítimas entre mulheres endinheiradas e solitárias. Depois de matá-las, ficava com o dinheiro e dava sumiço no corpo. No lugar da comédia, a tragédia. No lugar da ternura, a crueldade.
No entanto, um olhar mais apurado sobre o filme pode perceber nele a genialidade do mesmo artista que foi capaz de criar obras-primas como “Tempos modernos”, “Luzes da cidade”, “O circo”, “O garoto” e “Em busca do ouro”. Em Monsieur Verdoux, Chaplin por diversas vezes retoma o espírito do vagabundo e das suas melhores comédias como é o caso da cena em que tenta matar uma de suas amantes durante uma pescaria de barco e se mete nas mais hilariantes estripulias sem que consiga perpetrar o seu intento. Essas, no entanto, são pequenas e furtivas luzes de diversão que ele lança ao assistente, para lembrá-lo do velho vagabundo, agora substituído pelo assassino frio.
O filme na verdade é percorrido o tempo todo pela mais fina ironia. E a todo tempo, Chaplin fica a fustigar a sociedade e toda a hipocrisia vigente naqueles tempos e infelizmente para nós, ainda presente no começo do século XXI. Monsieur Verdoux aparece sempre finamente vestido como um autêntico cavalheiro e até mesmo se apresenta como se fora um capitão de navio com sua roupa engalanada. E se nos filmes em que aparecia o vagabundo, esse era barrado em todas as portas por sua aparência rota e esfarrapada, Monsieur Verdoux ao contrário tem todas as portas abertas para ele, pois possui toda a aparência requerida pela sociedade, e no entanto ele é na verdade um frio e calculista assassino.
Em todo o filme há um jogo constante das aparências sociais em permanente questionamento. Quem é quem e quem é o quê. Quais são os sentimentos verdadeiros e qual é na verdade o quinhão de cada qual na sociedade capitalista? Chaplin segue zombando das normas capitalistas e ao final do filme quando é preso e condenado à morte, Monsieur Verdoux faz a constatação de que era condenado porque matara pouco, pois se matasse milhões seria talvez condecorado como herói. Lançado dois anos depois de terminada a grande carnificina da Segunda Guerra Mundial esse filme mostra-se sombrio e mesmo pessimista e esse talvez tenha sido um dos motivos de ter sido um tanto quanto ignorado pela crítica especializada, que por sua vez esperava mais uma vez a presença do vagabundo que encantara o mundo por mais de duas décadas. No entanto aquele personagem já morrera, e ironicamente na Segunda Guerra Mundial mesmo, quando Chaplin o colocou para falar pela primeira vez e última vez, no filme “O grande Ditador”.
Ali, pela primeira vez o vagabundo falava e ao mesmo tempo dava adeus às telas, pois aquele personagem não mais voltaria à ação. E isso foi reforçado quando no primeiro filme que Chaplin realizou depois de “O grande ditador”, passados sete anos, foi exatamente aquele em que o velho personagem não mais aparecia.
No final das contas, Monsieur Verdoux, é uma dura crítica a todo aquele arcabouço político, econômico e cultural que levara a humanidade a seis anos de cruel guerra na qual mais de vinte mil cidades foram destruídas e cerca de 50 milhões de vidas foram perdidas em batalhas, bombardeios sobre centros urbanos, navios afundados, campos de concentração e de extermínio e outras maneiras de matar, até que chegou ao auge da matança com as bombas atômicas lançadas pelos norte-americanos sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki.
Assim, os questionamentos do personagem quando de sua condenação à morte fazem todo o sentido, pois guerras como aquela somente se tornaram possíveis a partir do momento que todo e qualquer valor humano passou a ser colocado em segundo plano em nome dos interesses econômicos e políticos, ou dos interesses de Estado. E na verdade todos os horrores que ocorreram nos seis anos de duração da guerra estavam colocados até como males menores diante das novas perspectivas que a humanidade tinha de encarar com a bomba atômica e a possibilidade de uma hecatombe nuclear final.
Dessa forma, o filme Monsieur Verdoux não era mesmo para fazer rir, embora até o fizesse em alguns momentos, mas sim, era para colocar os espectadores diante de uma dura e brutal realidade, que cessada a guerra, iria continuar em novos patamares, a bestial exploração do homem pelo homem através do sistema capitalista de produção.
E hoje em dia, passados 61 anos do lançamento daquele filme, a atualidade de seu tema é ainda maior num mundo envolto em diferentes guerras locais entre Estados, guerras de facções, guerras civis urbanas, e com o retorno de um fantasma que até se julgou estivesse mais para enterrado do que para vivo, o fantasma da fome, que agora ronda o mundo com ares mais sinistros ainda.
Por tudo isso, e ainda pela música, pela direção, e pela soberba atuação de Chaplin é que ouso dizer que Monsieur Verdoux está certamente entre os melhores filmes do cineasta e cidadão do mundo Charles Spencer Chaplin.