SER VAQUEIRO É SER LIVRE

Artigo em parceria com Ângelo Macarius Pacheco*

Foi comemorado, em Campo Maior - Piauí, no dia dos namorados, 12 de junho de 2004, o centenário de um homem enamorado da liberdade – Sigefredo Pacheco. Em seu último discurso no Plenário do Senado, o parlamentar-poeta bradou: “Nesta nossa terra piauiense, Sr. Presidente, todo mundo é vaqueiro e ser vaqueiro é viver uma legenda de coragem, de bravura, de independência, de amor à liberdade e ao Brasil.”

Essa figura - o vaqueiro de gibão apoiando em homenagem ao sol que anuncia os desafios de um novo dia – está hoje escondida nas áreas rurais de Campo Maior e do Nordeste e encheu os discursos de Sigefredo da paixão que partilhava com os irmãos. O escritor Cláudio Pacheco dedicou muitas linhas de seu romance As pedras Ficaram Magras ao herói do sertão, cujo deleite é a intimidade com o espetáculo cotidiano da natureza saída das mãos do Criador. Para as gerações da era da informática, o vaqueiro está sob risco de se desvanecer em figura mitológica aprisionada em dimensões lendárias indefesas ao implacável avanço da globalização.

Sigefredo foi um vaqueiro na vida a desafinar o coro dos conformados. Foi livre para divergir francamente de autoridades políticas do peso de seu amigo Presidente General Castello Branco, em defesa de sua terra, e para ser solícito com os pequenos e desamparados. Livre para ser humilde; ao relatar os sofrimentos devidos ao desastre que sofreu no caminho para atender a uma parturiente, revelou: “eu achava que estava reparando algum mal feito em minha vida e que Deus estava experimentando-me, numa provação, para que descontasse pecados praticados”. O “velho curandeiro” foi livre para chorar de saudades do Piauí: “sem nenhum constrangimento, quando recebia telegramas encantadores que diziam – as chuvas chegaram, os rios se encheram, o verde cobre os campos, as árvores estão cobertas de folhas.” Livre para professar sua fé essencialmente ecumênica: “todos nós, católicos, protestantes, ortodoxos, amamos a Deus de modo diferente, mas chegamos a Ele sendo um só.” Livre para, da Tribuna, levantar a voz numa prece a Deus: “uma prece profunda, serena: que nunca mais me permita assistir ao pavor da seca."

Tomás Pompeu de Souza Brasil, jurista cearense de formação católica, eleito Senador do Império em 1864, qual voz que clama no deserto, alertava “que o país mais fértil pode ser convertido em charneca estéril e solidão inabitável se a imprudência humana o desguarnecer das matas que fazem a benignidade do seu clima.” Hoje já não podemos ignorar a veracidade desta afirmativa e nos furtarmos ao trabalho sugerido pela expressão genial da citação de Souza Brasil a Fourier: “a atmosfera é um campo suscetível de cultura.”

Os poemas pronunciados por Sigefredo Pacheco estão ausentes da memória das atuais gerações de piauienses. Muitos não poderão tomar conhecimento da saga do bravo médico que assistiu a mais de 2000 partos. As pérolas precisam estar em contato com a pele e sair à luz sob pena de fenecer rapidamente. É preciso que os discursos do vaqueiro Senador sejam colocados à disposição do povo que ele amou tão devotadamente. E que, em atendimento a sua prece enternecida, possam surgir piauienses que, para dar sossego àquela alma enamorada dos pobres e sofredores, trabalhem para exorcizar o fantasma da seca, semeando árvores num campo de sonhos e altivos carnaubais.

* Poeta, compositor, ator e cineasta.