QUEM SOU EU ELEITOR?

Apareço de quatro em quatro anos, visto terno e gravata, tenho um sorriso largo, ando muito pelas baixadas, prefiro as que têm mais lama, as avenidas só nos fins de semana.

Gosto de enganar, sorrir e dar, o povo é muito besta, me beija e me aceita. As camisas que preparei são de segunda, tem o meu nome e o meu número, são vagabundas. Para que gastar com eles?

Alguns aterros encomendei, sempre aterro uma ou outra rua, é uma estratégia velha, que funciona e não dá cana.

Quando chego nas ruas maquiadas as crianças sujas me rodeiam, as velhas me beijam e os garotos me apedrejam. Nem sempre é assim, muitos gostam de mim.

Meu discurso decorado roda as praças, ora sou aplaudido, ora sou vaiado. Tudo bem, eu não ligo, são uns fracos.

Meus assessores me animam, fico esperto, jogo certo. Comprar voto não é para qualquer um, têm que ter experiência.

Nunca perdi uma eleição, quando não posso, mando meu pai, minha mãe ou meu irmão. O importante é não deixar o eleitor sem votar bem. E nada melhor para ele do que alguém da minha família, que tem tradição no poder e sabe como ninguém enrolar e enganar.

O segredo é ser frágil, bonito, às vezes, e ágil. Ou ser forte, feroz e decidido. Os perfis eu escolho, o povo não liga, mas eu ligo. Prefiro o forte, o homem capaz de tudo, mesmo que não saiba nada, como é o meu caso. Mas isso é apenas um detalhe.

E então, você já sabe quem eu sou? Vou continuar...

O circo está montado, os palhaços em seus postos, entro e lidero, falo, arremedo, ignoro as perguntas que não me convém responder. Para que? Eles não vão entender. Esqueço de mim e vivo um personagem, sou o príncipe em busca de sua princesa roubada. Eles adoram conto de fada.

O sucesso repercutiu nos jornais, que legal, estou bem, vou ganhar, o ibope anuncia: é festa em casa meio-dia.

No dia “D” vou para lá, cumpro meu dever de cidadão, incentivo o pai e o irmão, eles todos vão votar, minha esposa me trata bem e segura minha mão, apenas na época de eleição. Minha amante fica em casa emburrada e escondida. Ela tem que entender, não pode estragar a minha vida, sou um homem público, honesto, sincero e adoro o povo da minha terra e, principalmente a tradição da família. Isso rende votos.

Estou aqui na frente, acabou a contagem dos votos, estou feliz, o resultado vai sair. Vou para o meu quarto e me desarmo, não preciso mais de disfarce. A notícia chega pela rádio, pelo plantão do telejornal, como o povo é burro, votaram de novo em mim! Até as próximas eleições, vê se descobre quem sou eu até lá. Tá! Ou então pára de reclamar para a imprensa.

SHIRLEY CASTILHO
Enviado por SHIRLEY CASTILHO em 10/01/2006
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