PERDER LA TERNURA? JAMÁS!
Junho de 2004
PERDER LA TERNURA? JAMÁS!
O pretenso socialismo democrático do PT não apresenta inovações. Adota os métodos superados do socialismo real: teoria da conspiração para explicar qualquer oposição, o indefectível inimigo externo opressor e manipulador como justificativa para os fracassos, a superioridade ética da ideologia igualitária e humanista para justificar perder a ternura e faltar com a moral. A única inovação me parece ser o egoolismo lulista - jamais alcoolismo -, pois já que estamos num regime democrático, é preciso defender o ego. Fidel não teve essa preocupação graças ao paredão ativamente alimentado com vidas reacionárias baixo as penadas do Che. Guevara deixou a ternura prá lá e mandou ver nas execuções.
Essa conversa de “hay que endurecerse pero sin perder la ternura jamás” não convence. Exala uma onipotência patética. Sabemos que ao nos endurecermos logo perdemos a ternura. E como virtude e vício são hábitos, o exercício é imprescindível para manter a capacidade de incorporar o comportamento escolhido. A geração de Guevara e Fidel é muito próxima à minha e cultivamos os mesmos valores: uma moral flexível, que tendeu a se tornar inexistente, e uma aspiração obsessiva pela jovialidade e a onipotência. Não funcionou. Mas tem muita gente que continua batendo na mesma tecla.
Para conquistar a felicidade tratei de recuperar a ternura antes que endurecesse tanto ao ponto da rigidez cadavérica me atingir ainda viva e quente. Estou envergonhada por me perceber perigosamente vulnerável a paixões pueris. Não posso alegar que fui traída - eu tinha tudo para saber o que podia esperar daqueles que meu voto legitimou no poder. Não vale dizer que imaginei a conquista democrática do poder pelo PT como via de renovação para a criatividade e originalidade socialistas. O lamentável espetáculo a que tenho assistido em mais de ano de governo tem tudo de filme já visto exaustivamente.
Lula e Dirceu vivem a incensar o modelo cubano-fidelista. E também reproduzem práticas consideradas de direita, como a fisiologia – afinal o que foi a omissão brasileira no caso das execuções em Cuba? Peru e México foram exemplares ao firmar posição contra a política do ditador cubano, apesar do tradicional relacionamento daqueles países com Cuba. Essa eleitora aqui não comunga com Dirceu da amizade e “eterna gratidão” ao povo cubano, leia-se, Fidel Castro. O povo cubano mora no meu coração e tem minha solidariedade em seu sofrimento, mas seu opressor, jamás.
O Presidente da República precisa se cuidar para governar democraticamente: sua percepção está bem mais comprometida pelo egoolismo que pelo álcool. O jornalista americano, de quem eu nunca ouvira falar e nem gravei o nome, não contava com a revelação de que a cidadania brasileira tem agora uma preocupação maior que os brindes do Presidente e as listas de compras do Planalto com alto teor etílico - a embriaguez narcisista de Lula.
Será que uma dose reforçada de ternura e humildade pode curar aquela enfermidade? Uma recomendação: a direita tem muito que ensinar sobre humildade, pois conhece o encantamento que o poder exerce sobre aqueles que o detém e o esforço requerido para resistir.