SOBRE OSWALDO MONTENEGRO

A intimidade do menestrel.

Dvd de Oswaldo Montenegro é comedido, mas não decepciona.

Quando eu tinha 17 anos, além do rock nacional e internacional – e seus respectivos “pops” –, em matéria de MPB, só existia pra mim Caetano, Chico, Milton, Djavan, Elis Regina, Rita Lee e Roberto Carlos. Só os medalhões. Foi quando comecei a tomar contato, por influência de uns amigos, com a música de Oswaldo Montenegro, de quem eu só conhecia até então “Agonia” – vencedora, para muitos injusta, de um festival da TV Globo –, “Bandolins”, “Intuição” e “O condor”. Mas eu não havia ainda ouvido um disco inteiro de Oswaldo. Eu não sabia o que estava perdendo. Então, mais ou menos a partir daquele momento juvenil, acho que as portas, inesgotáveis, da música brasileira, muito além dos grandes nomes veiculados pela grande mídia, começavam a abrir-se pra mim. Comecei a ver as possibilidades estéticas que nossa riquíssima musicalidade, como nossos inúmeros e maravilhosos músicos, de norte a sul, oferece. Depois de Oswaldo, aí sim, mil nomes começaram a pipocar em minha discoteca e, sobretudo, na minha alma musical. Não é que os nossos “grandes nomes” não sejam ecléticos e não tenham processado também influências múltiplas. É por um motivo que não entendo ainda muito bem que Oswaldo Montenegro foi, com certeza, um dos principais responsável por essa “abertura” do meu gosto musical. Engraçado é que hoje eu não ouço mais seu trabalho. Acho que foi uma paixão musical adolescente. Das boas. E paixões antigas fazem eco. E as respeito.

O caminho natural dos músicos que buscam sucesso é migrarem para o Rio. Sempre foi assim. Oswaldo Montenegro fez o caminho inverso. Um dos menos “cariocas” dentre os músicos cariocas, ele foi iniciar, “de fato”, sua carreira musical em Brasília. E isto, do carioca, ele mesmo confirma no belíssimo documentário que está no seu Dvd Intimidade, dizendo:“Eu, como compositor, não me sinto carioca. Eu não sou esperto como o carioca, malemolente como o carioca...”. Já tendo ele corrido o Brasil e o mundo, pude ver sua humanidade e “globalidade” num show que assisti no Canecão em 1990. Era muita bagagem musical e teatral, numa mistura de mundo e brasis, com todas as influências cabíveis em um artista, trazidas por ele, a sua casa, o Rio, que o abraçava definitivamente, como se deve abraçar um grande nome da música, um grande e generoso cantor e compositor, um multiartista. Aquele foi um grande show. Era um grande momento da carreira do cantor, depois de ter apresentado ao país anos atrás a canção “Bandolins” e de ter ganhado um festival com “Agonia” e, logo depois, de ter ficado quase uma década meio esquecido. Era uma volta triunfal à mídia, com o gás advindo da inclusão da música “Lua e flor” em uma novela. “Lua e flor” puxava as vendas do seu primeiro disco ao vivo, que já era um grande sucesso. Provavelmente o cantor nunca houvera feito tantos shows na vida.

Agora, em situação parecida de ostracismo, Oswaldo Montenegro é um ilustre desconhecido da nova geração. Embora tenha feito entre o sucesso “Lua e flor”, no fim dos anos oitenta, e hoje, pelo menos dois ótimos trabalhos – os CDs Letras Brasileiras – a “imprensa cultural” praticamente não o tem considerado. Agora, o modelo Dvd lhe abre uma nova possibilidade de estar em evidência, ou, pelo menos, de ganhar novos fãs, ou ainda, no mínimo, brindar os antigos com um registro bem realizado de suas canções. Intimidade traz 16 canções de fases diversas da carreira do cantor. O Dvd abre com a simpaticíssima “Pra longe do Paranoá”, como sempre com o acompanhamento da flauta de Madalena Sales. É uma coletânea de sucessos – como não poderia deixar de ser, em se tratando de um primeiro Dvd, com ampla distribuição. Ali tem “Lua e flor”; “Intuição”; a linda, e não tão lembrada, “Aquela coisa toda”; “Bandolins”; “O condor”; “Por brilho”; “Léo e Bia”, esta com a participação de Zeca Baleiro. É bom que se preste atenção na pouco conhecida “Andando e andando em Copacabana”, com sua letra muito divertida. A gravação, da não menos divertida “Sou uma criança, não entendo nada”, de Roberto e Erasmo, relembra um dos melhores momentos da carreira do Tremendão – a música é um achado.

Embora oportuno e bem feito, o trabalho tem, ao meu ver, limitações. Estas limitações estão atreladas ao conceito do projeto: a série Intimidade, da gravadora Somlivre – iniciada com o Dvd de Guilherme Arantes – se propõe a gravar apresentações na casa do artista. No caso de Oswaldo, na sala de seu apartamento. O cantor aceitou o convite da gravadora e não tem nada a ver com as restrições do projeto. Mas parece um grande desperdício (ou uma grande “economia”) ver um artista que andava sumido da mídia lançar um Dvd por uma grande gravadora e não poder usar o recurso de um show bem produzido, num grande espaço. E estamos falando de alguém que tem público para tal. Contudo, se a opção e o conceito foi mesmo esse – da ultra-simplicidade –, à qual o próprio título Intimidade remete, fazer o quê? Acontece que o que se faz com o atual trabalho é abusar da idéia de simplicidade: uma apresentação para familiares e amigos no espaço de seu apartamento no Rio – gravada pelo Estúdio Mega –, feita às claras como que num ensaio. É de se esperar que o som tenha sido muito bem captado, e é óbvio que foi. No entanto, como um vídeo musical, e até como discografia, parece bem claro que o Dvd fica devendo. Pouca produção e até mesmo poucas canções. Estas, contudo, são tocadas, todas em arranjos diferentes dos originais – porém irrepreensivelmente – por uma banda de primeiríssima: Oswaldo, que toca violão e um pouco de piano, é acompanhado de Pedro Mamede, na bateria; Sérgio Chiavazolli, violão e bandolim; Alexandre “Meu Rei”, no baixo; Caíque Vandera, no piano; além da inseparável Madalena, na flauta e teclados.

Ponto alto – O que mais faz valer a pena no Dvd é – o que poderia ser um contra-senso, mas que hoje é plenamente aceitável – o que vem de bônus. Muito mais que um making of da apresentação, o que Intimidade traz como extra é um pequeno, porém tocante, documentário sobre a vida e a obra de Oswaldo. Seu começo de carreira, seu namoro com Madalena Sales – sua grande parceira musical –, relatos das excentricidades do inquieto artista, como um pequeno apartamento que ele mesmo pintou com cores variadas todas as paredes e teto, como quem grafita um muro, num desabafo criativo. Houve quem o chamou de maluco por isso. E sobre loucura, música e sua união com Madalena Sales, o cantor declara: “Na primeira vez que Madalena veio tocar com ‘a gente’ eu senti que era a minha chance de não ir para o hospício”. O ator Oswaldo diz ao público na Oficina de montagem de musicais que em teatro ‘vale tudo’, em teatro ‘pode tudo’, mas que, entretanto, ‘atuar não é mentir’. Ele, que a tantas pessoas deu sua primeira oportunidade como artistas de ingressarem no meio. Se Oswaldo é o teatrólogo que não mente, não faz diferente como cantor e compositor. Quem o conhece não consegue perceber divisão entre o homem e o artista. Esses entes seriam nele, em tempo integral, uma coisa só. A última imagem do Dvd é do cantor junto à sua atual esposa Paloma Duarte e Madalena Sales, com quem está abraçado. Os três estão unidos num pequeno momento íntimo: Oswaldo, a ex-namorada e Paloma demonstram uma fina intimidade, uma, mais que cordial, amorosa intimidade. E, convenhamos, isso é lindo. Enfim, vale a pena conferir.

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artigo escrito para o site www.cronicascariocas.com

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Luciano Fortunato
Enviado por Luciano Fortunato em 23/04/2008
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