O JUIZ NICOLAU PODE SER UM EXEMPLO
[Publicado em 03/07/2001]
Sim, O Juiz Nicolau pode ser um exemplo. Obviamente, um exemplo a não ser seguido.
A mídia tem-nos dado conta de que o Juiz Nicolau está em prisão domiciliar por estar doente. Esperamos, é claro, que isso seja verdade e não mais um privilégio que o dinheiro compra. Um médico do Estado acaba de declarar que ele se encontra em depressão profunda, pouco fala, só chora, desistiu de viver, o que até é compreensível. Ouvi os mais diversos comentários. Um repórter lembrou, no ar, tudo o que ele fez, os roubos escandalosos, a fuga, a manutenção do dinheiro escondido que ele não quer devolver, etc., tudo muito verdadeiro e sobejamente sabido. Sua fala me cheirava a vingança. Diversas pessoas dizem apenas: ele está pagando pelo que fez. Outras dizem ainda: ele merece. Tudo fruto de uma revolta enorme que nos atinge. Revolta compreensível e muito justa. Sabemos que ele roubou nosso dinheiro, não nos respeitou como cidadãos. E, mais revoltante ainda se lembramos que temos uma grande parte da população na miséria, crianças morrendo de fome, doentes entregues à própria sorte. E o Juiz Nicolau, que nos roubou, come do bom e do melhor, habita uma mansão e tem outras tantas, inclusive no exterior, tem vários carros de luxo importados. Se doente, ele pode contar com os melhores e mais caros médicos. Se for para o Hospital, este será o melhor existente em nosso país e terá tratamento de rei. Se morrer, o enterro caro não será problema. Tão diferente de que acontece conosco! Tudo muito revoltante.
E não vou acrescentar nenhum "mas" que desdiga ou justifique o que disse acima.
Sendo verdade o que se noticia sobre seu estado atual, coloco apenas minha reflexão diante das expressões que tenho ouvido, todas elas cheirando a desforra.
Tudo o que o Juiz Nicolau fez exige punição. Assim como deveriam ser punidos todos os que roubaram com ele ou independentemente dele. Seus gestos tresloucados tiveram uma base em sua desmedida ambição, em sua vaidade, em seu egoísmo, tudo isso chegando às raias do absurdo e ultrapassando todos os limites do bom senso.
Hoje ele é um homem torturado pela própria consciência, consciência que não teve ao roubar descaradamente seu próprio país. O que seria essa depressão profunda se não a autotortura?
Coloquemo-nos, num esforço supremo, no lugar dele hoje. A prisão, a vergonha, a grita do povo em massa, o desprezo no olhar de todos, ou quase todos que dele se aproximam. Quando ele se entregou, contava com a rápida liberdade que o dinheiro quase sempre compra. Não deu certo. Pediu que, ao se entregar, não tivesse que enfrentar a imprensa. Mas enfrentou. E a mesma imprensa o segue e o assedia o tempo todo. Afinal, a imprensa tem um papel a desempenhar e sofre cobranças em casos como esse. E mais o que nós não sabemos quanto à sua família, seus amigos (ou ex-amigos), seu meio social. Mesmo que esteja acompanhado, deve estar mergulhado em extrema solidão, pois só conta mesmo com advogados para defendê-lo e sabe bem que o fazem só por causa do muito dinheiro que isso lhes rende. Portanto, ele é um homem que só depende de dinheiro e dinheiro que ele não conquistou com esforço e coragem.
Está pagando. Plantou e está colhendo. Não é só a prisão que pune. Aliás, para o que ele fez, a punição principal deveria ser a devolução do dinheiro que nos roubou. Mas não sei se isso será viável em nosso sistema falido. E ele roubou tanto exatamente porque o sistema é falido e não tem condições, ou não quer, fiscalizar as contas do País. Que passem desapercebidos roubos pequenos, é vergonhoso mas daria para tentar entender. Mas um roubo desse tamanho, uma ação de tão longa duração, é inconcebível numa nação minimamente organizada. Infelizmente, a nossa não é. Ao contrário, ela favorece o roubo com sua omissão e incentiva a ambição como capitalista que é.
O que proponho aqui para reflexão é essa grita de vingança que engasga nossas gargantas. Não nos compete a vingança, a não ser que queiramos nos igualar a ele. E isso não queremos, com certeza.
Tripudiar, humilhar, ufanar-se pelo sofrimento alheio, mesmo que o sofredor seja o Juiz Nicolau, não combina com quem quer reivindicar seus direitos como cidadão consciente, lúcido, equilibrado. Misericórdia é um sentimento que ainda não caiu de moda, todos sabemos disso quando sofremos e esperamos sensibilidade, quando erramos e pedimos compreensão. Se conseguirmos exigir direitos e não perder noção da misericórdia, seremos justos.
E, aqui, o Juiz Nicolau pode ser um exemplo no sentido de nos levar à nobreza de alma que almejamos alcançar como seres humanos.