O caso Isabella
Creio que pouquíssimos pais possam bater no peito e dizer que nunca deram nenhum tipo de castigo aos meus filhos. Um amigo, lá do Ceará, dizia que lhe doía, mais que a maior dor mundo, cada palmada que aplicava no Renato (um tremendo pestinha, raspa de tacho, que aparecera para fazer a felicidade do pai após quatro filhas). Mas que não lhe restava outra coisa senão cumprir esta tarefa, que era a pior parte do ser pai. Dizia ainda que se não traduzisse limite de forma clara, a ponto do filho infante compreender, a policia o faria isso no futuro. Não ia fazer e criar filho para o Estado educar; ele, o pai, educaria!
E então entro no caso Isabela que há dias não sai das manchetes. Que sina terrível a dessa menina. As pessoas que deveriam protegê-la deram-lhe a morte precoce e horrenda. Lancina ver os familiares tentando dar ao caso versão determinista, a la Taine. Ou seja, esta criança nascera para complicar as futuras relações entre os pais e a madrasta; nascera determinada a isto e que o fato de ter sido brutalmente assassinada, não é tão grave assim porque o assassino(s), na verdade, foi(m) vitima(s) do próprio determinismo! O(s) matador(s) foi(m) apenas instrumento(s) para que se cumprisse o destino traçado à família capenga, emaranhadamente moderna.
Os supostos assassinos e seus parentes são veementemente contra qualquer tipo de punição. A morte de Isabela deveria - a julgar pelas declarações deles todos - passar em branco ou, em havendo punição, que seja aplicada em um inocente, um pedreiro, um serviçal qualquer; jamais em assassinos bem nascidos, bem educados... Eis a mentalidade que predomina na sociedade que se sustenta aos homens e mulheres do futuro!
Há algum tempo, em conversa com um chinês ruim de português, perguntei se é verdade que no interior da China camponeses matam as filhas recém-nascidas, na esperança de que o próximo parto seja menino e que melhor ajude a família nos afazeres do campo. O chinês me explicou que não era bem assim. Era assim: se o casal já tivesse uma filha e viesse uma segunda, esta deixaria de existir dando a própria vida como quinhão, contribuindo assim, antecipadamente, com o grupo familiar. Tal procedimento seria apenas um arranjo para que a menina não se tornasse estorvo, durante a vida inteira, por ocupar o lugar destinado a outrem. Morta, passaria a existir espiritualmente, ganhava lugar de destaque, alimento fresco e homenagens no altar sagrado do clã, adrede mantido no interior do lar.
No Brasil as crianças ainda são geradas pelos pais. Mas já são criadas e educadas em série pelas creches estaduais e municipais. As atuais relações entre pais e filhos não são nem sequer parecidas com a relação entre Renato e o pai. Em alguns casos, todavia, são tão fatídicas quanto no interior da China camponesa. A maior diferença é que na China se dá a roupagem acima mencionada.
Creio que se o pai de Renato, num infeliz acidente, o tivesse matado, certamente, gritaria o fato para todos, pediria perdão e se entregaria ao capeta, através do suicídio.
Se os responsáveis por Isabela a tivessem matado por acidente seriam punidos civilmente. Mas, um bom coração, no meio de uma multidão enfurecida, diria:
- Eles só queriam educar a criança...
Agora, pegar a criança, mesmo julgando-a morta, e jogar do sexto andar, é de cortar coração de pedra. E mais aterrador: se a criança foi jogada, sabendo-se apenas desmaiada, somente para manter as aparências, quem vai cometer suicídio sou eu. Pois, se eu fosse verdadeiramente inocente, neste mundo não estaria.