O Crime do Ano
Lamentável, lamentável... O que mais podemos dizer sobre o crime do ano? Lamentável alguém, seja quem for, chegar a ponto de tirar a vida de um ser humano, seja quem for. Uma criança. Mas, quantos seres humanos, adultos e crianças têm suas vidas ceifadas todos os dias? Quantos homicídios ficam no anonimato? Melhor; quantos chegam ao “estrelato”, às lentes e holofotes poderosos de nossa imprensa? Quantos meninos e meninas sofrem diariamente abusos e são mortos por pessoas de sua própria família? Será possível mensurar todos os crimes cometidos em nosso país? Quem, esta é a pergunta mais importante, decide, destes milhares de crimes que ocorrem diariamente, qual caso vai ocupar as capas das revistas e dos jornais? Gostaria muito de saber qual o critério dos chefes de redação ao escolher o caso policial que vai chocar e literalmente mover a opinião pública, que vai desviar a atenção de problemas mais relevantes, e, principalmente, o que é mais viável do ponto de vista econômico.
Mas não é preciso nem um pouco de erudição para responder a singela questão. Sabemos que o critério primordial é o econômico. Ética? Profissionalismo? Informação? Não, ser ético no Brasil é ser taxado de “trouxa”, de “Mané”, de “Caxias”. Você gosta de levar vantagem, certo? Troquemos o nosso positivista “Ordem e Progresso” da bandeira, coloquemos o slogan da marca de cigarros que marcou época nos anos setenta, ele sintetiza melhor o nosso espírito de nação.
Havia um tempo em que não havia liberdade e as pessoas estavam sujeitas ao arbítrio do soberano. Neste tempo as pessoas eram executadas, sumariamente, por meio de empalamento, fogueira, crucificação, apedrejamento, esquartejamento por meio de cavalos, etc... Neste tempo, havia requinte de crueldade nas penas, as pessoas eram barbaramente assassinadas, muitas vezes torturadas e estavam expostas a toda sorte de castigos por parte das autoridades. O povo que sofria toda esta injustiça, clamava por um novo tipo de governo, mais moderado, baseado em leis que pusessem freios à ação dos governantes, que houvesse juízes imparciais para que julgassem os conflitos na sociedade, que houvesse também direito à defesa, tudo isso visando diminuir ao máximo as injustiças.
Passados séculos e séculos chegamos finalmente a um tempo em que os homens tiveram idéias luminosas, não à toa, chamamos este tempo de “Luzes”. Homens com ideais de justiça, fraternidade, igualdade visualizaram, entre outras coisas, um Estado em que os poderes seriam limitados, separados e ao mesmo tempo harmônicos. Estava criada a teoria da tripartição dos poderes, já a muito tempo de forma embrionária em Aristóteles, aperfeiçoada e melhorada por Montesquieu. Depois de milênios o bicho homem começa a vislumbrar algo mais próximo do que se chama humanidade.
O mesmo povo que clamava por justiça e por mais imparcialidade nas decisões do poder público, hoje sai à rua não para pedir justiça, mas para fazer justiça. Esquecem que há uma ciência chamada Direito Penal que rege as ocorrências criminosas de todo o país. Esquecem que há uma Constituição, que há um Estado Democrático de Direito e todo um sistema jurídico capaz de punir ou absolver as pessoas de acordo com a culpabilidade de seus delitos. Deixemos que o poder judiciário, o ministério público, a polícia e a defesa trabalhem na elucidação do crime. Nosso país necessita de participação popular em outras esferas. Por que não fazer movimentos para a melhoria do ensino público, da saúde, da carga tributária, da previdência? Por que nossa mídia não promove este tipo de movimento?
Não é preciso fazer movimento em prol de mais justiça, nem ir ao portão do suposto assassino para tentar um linchamento. (Lembremos a Constituição que diz que alguém só pode ser considerado culpado depois do trânsito em julgado). Trata-se de um crime contra a vida, portanto vai a Tribunal do Júri. Aqui sim, de acordo com a lei, por meio dos jurados, a sociedade terá a oportunidade de, eventualmente, fazer justiça. E que esta seja feita!