TRINTA ANOS DE TEXTOS - FRAGMENTOS PARA UM CALEIDOSCÓPIO?

Chega sempre um tempo de se fazer inventário...testamento... simples balanço para se levantar perdas e ganhos...enfim, seja lá o nome que se lhe dê, o tempo de reunir as múltiplas peças, no presente caso, de uma escrita que se foi tecendo meio a esmo, através de, aproximadamente, trinta anos.

Convenhamos: não é tempo desprezível. Por outro lado: é tempo suficiente para definir os traços próprios de uma linguagem?Será? Talvez tenha sido apenas o tempo para delimitar um campo de possibilidades, logo, também os limites lingüísticos para além dos quais uma escrita, no caso a minha, não ousa nem tem recursos para se aventurar.

Quando comecei a publicação desses textos no Recanto, em 29 de janeiro de 2008, não tinha qualquer plano pré-estabelecido. Hoje, que chego ao 200° publicado, me dou conta de que fui criando um percurso aleatório para eles, textos, principalmente sob o ponto de vista cronológico: um poema de 1978 torna-se vizinho de uma frase escrita em 1989 tanto quanto esta segue ao lado de uma crônica de 2002... e assim por diante.

Devo dizer que, a bem da verdade e à exceção de bom número de haicais, poucos são os textos como o aqui presente, isto é, poucos são os textos contemporâneos ( se por contemporâneo entendermos escritos de dias, meses,um ano, dois, no máximo). Venho de uma crise de linguagem ( decorrente de outras crises) e, em conseqüência disso, a grande maioria dos textos publicados são, os mais recentes, de 2003. Quanto aos haicais, que comecei a escrever em 1990, desses,boa parte tem sido escrita nesses meses de Recanto. Isto significa que a minha contemporaneidade está toda e tão somente nos haicais? Se é esta a verdade, espero que seja provisória porque, por mais que tenha apreço ao universo haicaístico, domina-me a necessidade também de outros caminhos para trilhar minha escrita.

Aparece no título: "Fragmentos para um caleidoscópio?". Ora, as imagens de um caleidoscópio se desmancham e se desfazem a cada mínimo movimento da mão. Será esta uma metáfora que defina meus textos? Nesse caso, eles compõem uma descontinuidade no tempo e no espaço, apenas uma reunião de peças soltas, sem coerência nem pontos em comum.

Há textos de profunda ingenuidade, que se revezam com outros de, permito-me dizer, intrincada elaboração de linguagem os quais, por sua vez, se mesclam aos que ficam no meio do caminho. Alguns chegam em múltiplos leitores; vários não chegam em ninguém. Há aqueles dos quais gosto, de modo particular, e que são rejeitados sumariamente; há os que, publicados por mero acaso, caem na preferência dos leitores; por fim existem os felizes que caem, tanto no meu gosto pessoal quanto no coletivo. Certos textos considero literatura. Boa parte deles excluiria de livro impresso.Afinal: sou realmente poeta? Haicaísta? Prosadora? Definitivamente, meu caminho interior não é de certezas.

Desde 05 de abril venho publicando gravações em que canto, à capella, lindas músicas do cancioneiro popular. Também leio textos meus e de autores, estes sim, legítimos criadores de linguagem, alguns consagrados. Finalizando, devo dizer que tenho conquistado, proporcionalmente, mais ouvintes do que leitores. Muito agradeço a todos.

Isto está parecendo uma despedida. Não é. Vou ficar apenas dez dias sem publicar textos, colocando, durante este tempo, somente gravações, no áudio. Por que escrevo tudo isso? Sei lá, antes de tudo para mim mesma, como um auto-testemunho das minhas ações mais recentes.

Acho o Recanto um espaço fantástico, porque democrático, aberto a todas as escritas e a todos os leitores. Se tivesse que me definir, diria que tento ser apenas uma boa leitora, também dos meus próprios textos.Apenas uma boa leitora e isso, convenhamos, não é pouca coisa.

EM TEMPO: ALGUÉM LERÁ ESTE TEXTO?

16/17 de abril de 2008